BRASÍLIA A manutenção dos milhares de centros de referência de assistência social espalhados pelo país, a política de implantação de cisternas e o programa de aquisição de alimentos da agricultura familiar estão ameaçados por falta de recursos. O ministro do Desenvolvimento Social, Osmar Terra, confirma que repasses estão atrasados “há meses” e que só de débitos acumulados, principalmente desde 2014, a pasta deve R$ 1,6 bilhão a estados e municípios que executam, em parceria com o governo federal, as iniciativas sociais.
Diferentemente do Bolsa Família, que tem um orçamento específico assegurado dentro do ministério, essas políticas sociais são pagas com recursos discricionários, ou seja, que podem ser cortados pelo governo. E foram. Tal verba já caiu 38,4% de R$ 5,25 bilhões em 2015 para R$ 3,27 bilhões no orçamento deste ano, em valores nominais. Terra afirmou que negocia com a equipe econômica a liberação de dinheiro para quitar os atrasados antes de pensar em renovação de convênios ou novos compromissos:
É um baque enorme na área social que vinha sendo desidratada silenciosamente pelo governo Dilma - disse o ministro do Desenvolvimento Social, Osmar Terra, completando: Estou conversando com o presidente Michel Temer para vencermos os débitos em primeiro lugar.
Entre os valores atrasados, o maior montante se refere ao Sistema Único de Assistência Social (Suas), que está com R$ 829 milhões não quitados. Os recursos são vitais para o funcionamento de centros de referência de assistência social, os chamados Cras e Creas, presentes nas regiões mais carentes de todo o país. Eles são a porta de entrada nos estados e municípios para a população vulnerável, como idosos, deficientes, moradores de rua, vítimas de violência.
O segundo programa mais prejudicado com a falta de verbas é o Plano de Segurança Alimentar Nutricional. Repasses atrasados para a política que garante, entre outras ações, a compra de alimentos da agricultura familiar para a merenda escolar já somam R$ 465 milhões. A implantação de cisternas, custeada pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), é outra iniciativa de elevado impacto social que está com R$ 322 milhões a serem quitados.
O orçamento do Desenvolvimento Social para despesas discricionárias, que bancam tais programas, mas podem ser contingenciadas, vem caindo desde 2012. A diminuição, entretanto, ficava em torno de 10% ao ano. A grande tesourada – a queda de quase 40% – se deu no orçamento sancionado por Dilma neste ano.
Os montantes empenhados (reservados para pagamento posterior) e efetivamente pagos (quando a obra ou serviço já foi entregue) também vêm reduzindo, numa demonstração de menos recursos de fato liberados. O empenho em 2014 (R$ 5,5 bilhões) representou 92,1% do orçamento autorizado. Em 2015, essa proporção caiu para 73,5% (R$ 3,8 bilhões). O pago também caiu: de 80% em relação total em 2014 para 61,3% no ano seguinte.
BRASIL CARINHOSO
As primeiras liberações de dinheiro feitas por Osmar Terra, desde que assumiu, há cerca de um mês, ocorreram somente nesta sexta-feira. O ministério conseguiu pagar pouco mais de R$ 200 milhões, referentes a repasses atrasados ainda do exercício de 2015, do Brasil Carinhoso. As prefeituras recebem um valor, que pode variar, por cada criança do Bolsa Família de 0 a 48 meses matriculadas em creches.
O repasse foi liberado para 2.650 municípios. Os prefeitos e dirigentes municipais de educação reclamavam do atraso de mais de seis meses. A transferência costumava ser feita no último trimestre de cada ano. Mas, no final do ano passado, o governo editou uma MP modificando as regras do repasse, o que diminuiu os valores a serem enviados aos municípios.
Tudo isso fez com que a primeira parcela de 2015, depositada somente em fevereiro passado, somasse R$ 406 milhões, ante os R$ 766,1 milhões transferidos no repasse único de 2014, ano eleitoral em que o volume de recursos atingiu o pico desta ação do Brasil Carinhoso, que começou em 2012.
Só receberam a verba, este ano, prefeituras que atenderam as novas regras: aumentaram o número de crianças do Bolsa Família em creches entre 2013 e 2014 ou atingiram cobertura superior a 35% – bem superior à média nacional, de 21,6% das crianças de 0 a 48 meses do programa de transferência de renda matriculadas.
O governo argumentou, em dezembro, ao editar a MP que mudou a forma de repasses do programa, que o objetivo era melhorar a gestão. Sustentou que as prefeituras tinham ainda em conta, em outubro do ano passado, R$ 476,3 milhões de saldo – ou 33% de tudo que havia sido transferido até então desde o início do Brasil Carinhoso: R$ 1,4 bilhão.