RIO ? Quem socorre a polícia? Nos bairros da Zona Sul do Rio, a ajuda tem vindo dos próprios moradores. A crise financeira do estado tem afetado de tal maneira a segurança pública que os cidadãos decidiram intervir para que o governo faça seu trabalho. Em Laranjeiras, um grupo reuniu R$ 4 mil para comprar bicicletas e doar à Polícia Militar para o reforço do patrulhamento no bairro. No Flamengo, moradores estão doando produtos de escritório, higiene e limpeza para a 9ª DP (Catete). A unidade, reaberta em outubro depois de um ano e meio fechada pela Vigilância Sanitária, tinha problemas que iam da falta de câmeras de segurança à escassez de papel higiênico.
O aviso sobre a situação da segurança pública foi dado pelas autoridades em março. Numa audiência na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), o diretor-geral de assuntos financeiros da Polícia Civil, Flávio Brito, disse que não era possível cortar mais gastos sem atingir a população. Junto dele, o secretário estadual de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, reclamou que a maneira como os repasses estavam sendo feitos (de forma parcelada) prejudicava o planejamento da pasta. Na semana passada, o delegado Fernando Veloso, chefe da Polícia Civil, não descartou a possibilidade de um ?colapso? da instituição.
A vaquinha on-line realizada pelo grupo Laranjeiras Sorri acabou no último dia 31 com sucesso na arrecadação dos R$ 4 mil pedidos. Com o dinheiro em mãos, o grupo já fechou a compra das seis bicicletas com uma loja do Flamengo. Elas vão reforçar o patrulhamento do 2º BPM (Botafogo) nas ciclovias e na orla da região. A iniciativa surgiu dos próprios moradores, preocupados com o aumento da criminalidade no bairro.
? Um homem apontou uma arma e assaltou meu vizinho em plena luz do dia. Outro dia, minha mulher teve que entrar em um bar para evitar ser assaltada por um grupo ? conta Jorge Luiz Fernandes, um dos moradores que se cotizaram para a compra das bicicletas.
A PM se comprometeu a treinar os agentes para o policiamento assim que receber as bicicletas.
Presidente da Associação de Moradores e Amigos de Laranjeiras (Amal), Marcos Seixas critica a quantidade de policiais destacados para a segurança do Palácio Guanabara enquanto, segundo ele, na Rua Pinheiro Machado e na Rua das Laranjeiras, moradores têm reclamado de assaltos frequentes.
? Tem muito policial fazendo patrulhamento do palácio, mas o que precisamos é que seja feita a segurança das pessoas. A Rua Pinheiro Machado fica desguarnecida ? reclama.
Comandante do 2º BPM, o tenente-coronel Ricardo Alexandre Naldoni afirmou que vai aceitar a doação das bicicletas, desde que sejam feitas dentro da lei. Sobre a criminalidade, o oficial diz que os índices estão diminuindo na região e que a PM tem feito ações diurnas e noturnas em pontos estratégicos em conjunto com a 9ª DP e com a 10ª DP (Botafogo). Diz ainda que tem buscado uma maior aproximação com moradores por meio de reuniões periódicas e da comunicação via redes sociais.
Segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), nos quatro primeiros meses de 2016 houve uma queda de 23% nos registros de roubos a transeuntes e de 14% nos roubos, na comparação com o mesmo período do ano passado, na 9ª e 10ª DPs. Por outro lado, houve aumento de 21% em roubos de aparelhos celulares (de 121 para 147), enquanto as tentativas de homicídio quase quadruplicaram, subindo de 9 para 33 no período.
DELEGACIA FICOU ATÉ SEM PAPEL HIGIÊNICO
Depois de ficar um ano e meio fechada pela Vigilância Sanitária, que interditou o prédio da Rua Pedro Américo, no Catete, por causa de condições prejudiciais à saúde dos funcionários, a 9ª DP reabriu em outubro sem materiais de limpeza, higiene e de escritório. Foi também em uma reunião com moradores, em março, que surgiu a ideia da arrecadação de material básico, necessário para o funcionamento da unidade. A Associação de Condomínios do Morro da Viúva (Amov), no Flamengo, decidiu adotar a unidade e, desde então, tem reunido doações de papel higiênico, produtos de limpeza e material para escritório, como resmas de papel e cartuchos para impressora.
Como a delegacia também estava sem sistema de vigilância interno e externo, O empresário André Godinho, dono da Alarm, empresa de vigilância, fez a doação e a instalação dos equipamentos, no valor de R$ 12 mil.
? Nós estamos querendo reviver esse espírito comunitário. Diante da crise que o estado está vivendo, acho que um rolo de papel higiênico e três folhas de papel não pesam tanto no bolso ? conta Maria Thereza Sombra, presidente da Amov.
? A sociedade está tendo que pagar duas vezes, porque além dos impostos, tem que gastar com vigilância, seguro e grades. A 9ª DP estava tão vulnerável que chegou até a sofrer um ataque de ?ninjas? ? diz Godinho, referindo-se a um episódio ocorrido em abril, quando dois jovens portando facas e uma estrela ninja de cinco pontas tentaram ferir os agentes que faziam plantão no local.
Para o antropólogo Paulo Storani, ex-capitão do Bope, a aproximação entre a sociedade e os agentes de segurança é positiva e as iniciativas de socorro são bem-vindas. Ele, no entanto, lamenta que haja tal necessidade, uma vez que o serviço deveria ser bancado pelos impostos públicos. Com a iminência da Olimpíada, ele projeta que o maior problema vai acontecer depois do fim das competições na cidade, já que, durante os Jogos, a segurança deve contar com a ajuda das Forças Armadas.
? Durante os Jogos Olímpicos, vamos criar uma sensação de segurança que não existe, mas cairemos em uma profunda depressão no período pós-olímpico, pois vamos voltar à realidade ? conta.
Storani lembra que a ajuda dos moradores à polícia em outros pontos do estado tem se repetido. Como mostrou O GLOBO-Niterói em janeiro, policiais e associações de moradores têm colocado dinheiro do próprio bolso para reformas de unidades do Destacamento de Polícia Ostensiva (DPO) e a compra de equipamentos como ventiladores, telefones e micro-ondas.
* Estagiário sob supervisão de Natanael Damasceno