Cotidiano

Dr. Ulysses e hoje

2015 873142662-2015 873064804-201512092113212393.jpg_20151209.jpg_20151210.jpg G. H. Chesterton, no ?O Jardim Secreto” (A inocência do Padre Brown), sobre um personagem, afirma que ?sua presença era tão grande quanto a sua ausência?. Isso lembra de Ulysses Guimarães.

Dr. Ulysses, no início da crise do governo Collor, não aceitava o impeachment: o risco para o país era grande. Admitiu o procedimento quando a revista ?Veja? escancarou a entrevista de Pedro Collor. Lia-se informações sobre corrupção, PC Farias, desmandos etc. Avançava a CPI do caso.

Reuniu líderes do PMDB para decidir. Sustentou que era preciso garantir a governabilidade ? o país deveria ser preservado. Tal garantia estava no apoio ao Ministério de então. Três ministros seriam o centro: Marcílio Marques Moreira (Fazenda), Célio Borja (Justiça) e Celso Lafer (Relações Exteriores). Só assim passou a admitir o início do processo.

As regras eram de uma lei de 1950. A Constituição de 1988 modificara as competências anteriores e atribuíra: à Câmara dos Deputados, a admissão da acusação; ao Senado Federal, o processamento e julgamento.

Ibsen Pinheiro, então presidente da Câmara, conduziu com maestria o ajustamento entre a lei e a Constituição e o procedimento de admissão da acusação. Havia diálogo para tudo. O respeito e a confiança imperavam. Lá tínhamos crise econômica e política. Tal como hoje.

Hoje, antes do processo da presidente Dilma, o que assistimos? A desconstrução de qualquer canal de diálogo. O PMDB se estilhaçou dentro da Câmara, onde líderes se alternavam. O presidente do Senado chocou-se com o presidente do partido, embora tenha ocultado, em entrevistas, esse fato. O então presidente da Câmara tentou evitar sua cassação e fez de tudo. Os diretórios regionais do PMDB operam pelos seus interesses. O então governo, com o ministro-chefe da Casa Civil, atacou o então vice-presidente: ?Quem trai uma vez, trai 10.? Ironizou: ?Continuará sendo vice-presidente da República. Acho que é tudo.? O então governo tomou decisões que são mais do mesmo ? sem grandeza.

Há algo novo na política: o ódio. (E as certezas, causa de todos erros.) A maioria, junto com a mídia, destilou ódio, proibiu o diálogo, patrulhou o entendimento e a razão. A regra foi e é o ataque, o desprezo e a desqualificação, pois são midiáticas.

Volto ao Dr. Ulysses, que dizia: ?Em política, até a raiva é combinada ou fingida.?

A ausência do Dr. Ulysses é tão grande como foi sua presença. Hoje faria 100 anos. Vivia e transpirava o Parlamento. Foi anticandidato à presidente da República em 1973. Liderou a redemocratização. Foi presidente do PMDB e da Câmara (1956/76;1985/86 e 1987/88). Nesse último período acumulou a presidência da Assembleia Constituinte da Carta de 1988.

Em 12/10/1992, morreu em acidente de helicóptero, no mar de Angra dos Reis. Renato Archer, nas primeiras horas do dia 12, avisou-me que ele não havia chegado em São Paulo. O tempo estava ruim, mas ele tinha reunião com o governador, em SP. Morreu pela agenda política.

Na Câmara, o seu presidente, Ibsen Pinheiro, informou, no plenário, que Dr. Ulysses desaparecera. Ibsen soluçou. O deputado Miro Teixeira (RJ), chorou, sem vergonha ou constrangimento. Todos ficaram abalados. Não o abalo fantasioso de quem recebe notícia de falecimento e procura ostentar sentimentos. Era tudo legítimo. Da direita à esquerda radical. Foi o reconhecimento sincero de todos que sabíamos da sua grandeza. A Constituinte foi sua maior obra. Sem ele, sua autoridade e respeito de todos, não teríamos chegado ao fim.

Afirmava que a ?política não é o ofício da bagatela, pragmática da ninharia, quem cuida de coisas pequenas, acaba anão?. Recomendava que ?o tempo cobra o que se faz sem ele?.

Em uma sessão da Constituinte, iniciada às 14h, dr. Ulysses não colocava em discussão e votação a matéria. Por volta das 18h, fui à Mesa saber o que se passava. Respondeu de forma lacônica: ?Ainda não está na hora de votar.? Em torno das 19h, pediu-me que providenciasse o quórum da sessão. Às 19h30m havia quórum. Então, disse ele : ?Jobim, a hora de votar neste plenário assunto complicado é quando os velhos estão com fome e os novos querem ver as namoradas.?

Foi tudo rápido. Sua grandeza deixa saudades.

Nelson Jobim é ex-ministro do STF e da Justiça e foi deputado constituinte