
Cascavel e Paraná - Com potencial para reorganizar pilares estratégicos da política agrícola brasileira, o Projeto de Lei 2951/2024 segue tramitando em ritmo considerado insuficiente por especialistas do setor, apesar de seu impacto direto na segurança econômica dos produtores e na estabilidade do crédito rural. A proposta redefine normas essenciais do seguro rural e pode corrigir distorções históricas na gestão de riscos no campo, mas enfrenta um caminho legislativo longo e sujeito a entraves políticos.
O texto altera três legislações centrais — a Lei 8.171/1991, que estabelece as bases da política agrícola; a Lei 10.823/2003, responsável por regular a subvenção ao prêmio do seguro rural; e a Lei Complementar 137/2010, que institui o fundo de cobertura suplementar de riscos do seguro rural. Uma das principais inovações é permitir que a própria apólice seja utilizada como garantia para a contratação de crédito rural. Na prática, isso reduziria parte do peso das exigências atuais, apontadas repetidamente como barreira para que muitos produtores consigam acessar financiamentos.
O projeto também busca transformar o seguro rural em política estruturante, garantindo previsibilidade orçamentária e reduzindo o risco de bloqueios de recursos — algo recorrente nas últimas safras. A falta de subvenção para a contratação de apólices na temporada de verão, que resultou na menor área segurada em uma década, é citada como exemplo do problema que o PL tenta solucionar. Ao estabelecer regras permanentes e blindagem mínima contra contingenciamentos, o texto pretende impedir novas quebras de programação e assegurar continuidade ao Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR).
Outro eixo relevante da proposta é o estímulo à adoção de critérios diferenciados de subvenção, priorizando seguros que contemplem práticas de manejo capazes de reduzir riscos, incorporar tecnologia ou promover recuperação ambiental. Essa orientação conecta política agrícola, inovação e sustentabilidade. Uma experiência prática já está em teste: o Zoneamento Agrícola de Risco Climático por Níveis de Manejo (ZARC NM), que prevê percentuais maiores de subvenção para produtores com estratégias mais resilientes às variações climáticas. A atual safra de soja no Paraná é a primeira a participar desse projeto piloto. “Ainda é uma iniciativa tímida, mas estamos em diálogo com as entidades e com o Ministério da Agricultura para consolidar essa inovação e fazer do PSR um indutor de boas práticas”, comenta o diretor-técnico da Apepa (Associação Paranaense das Empresas de Planejamento Agropecuário), Lucas Schauff.
O PL também avança na exigência de maior fornecimento de informações técnicas sobre risco, ampliando a base de dados para uma precificação mais precisa por parte das seguradoras. A medida está alinhada às recomendações feitas ao Ministério da Agricultura pelo grupo de trabalho de inovação científica e tecnológica da Câmara Temática de Gestão de Risco Agropecuário e atende à demanda por um sistema de seguros mais transparente e tecnicamente fundamentado.
Apesar dos avanços, a tramitação do projeto é considerada lenta. “O PL deu um passo de tartaruga”, relata Schauff, ao comentar o andamento recente no Senado. A proposta ainda precisa passar pela votação suplementar na Comissão de Constituição e Justiça. Se aprovada sem recursos, segue diretamente para a Câmara dos Deputados. Mas, caso algum parlamentar peça análise em Plenário, o Senado terá que fazer uma votação final antes de enviar o texto à outra Casa. Na Câmara, o rito envolve comissões, debates e deliberação em plenário. Eventuais alterações exigem retorno ao Senado. Cumpridas as etapas, o projeto segue para sanção presidencial, que pode ser integral, parcial — com vetos — ou total. Somente após publicação passa a valer como lei.
Desafio de reordenar o foco dos investimentos
Além da complexidade do processo legislativo, há o desafio de reordenar o foco dos investimentos na política agrícola. Para o diretor-técnico da Apepa, há uma “incoerência evidente” na distribuição dos recursos destinados à gestão de riscos. Embora o PSR seja considerado mais eficiente que o Proagro — programa de compensação de perdas administrado pelo governo — o volume destinado ao seguro rural não chega a R$ 1 bilhão, enquanto o Proagro tem previsão de gastos próximos a R$ 6 bilhões. Estimativas da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil indicam que cerca de R$ 4 bilhões seriam suficientes para que o seguro rural operasse plenamente no País.
A aprovação do PL 2951/2024 é vista como passo indispensável para a consolidação de um arcabouço moderno e estável de gestão de riscos. Especialistas reforçam que a evolução das políticas agrícolas depende de integração entre base legal, tecnologia, ciência agronômica e análise rigorosa de riscos. “É preciso força e vontade política para que a proposta avance”, diz Schauff. Sem mudanças estruturais, o sistema continuará vulnerável e incapaz de acompanhar os desafios impostos pelo clima e pela complexidade do agronegócio brasileiro.