Brasil - Em mais um episódio que escancara a crescente judicialização da política brasileira, o presidente Lula (PT) justificou a decisão do governo federal de acionar o STF (Supremo Tribunal Federal) para tentar reverter a derrubada, pelo Congresso Nacional, do decreto que aumentava o IOF. “Se eu não for à Suprema Corte, eu não governo mais o país. Esse é o problema. Cada macaco no seu galho. Ele [Congresso] legisla, e eu governo”, disse Lula em entrevista à TV Bahia, em Salvador, ontem (2).
A declaração gerou reações por ratificar a estratégia do Executivo de usar o Judiciário como instância para contornar derrotas políticas. Na terça-feira (1º), a AGU (Advocacia-Geral da União) entrou com ação no STF pedindo a retomada da vigência do decreto que havia elevado as alíquotas do IOF. O caso ficou nas mãos do ministro Alexandre de Moraes, figura central na atual tensão institucional e relator de ações sensíveis, tanto do PSOL – que questiona o papel do Congresso –, quanto do PL, que contesta o próprio decreto de Lula.
Apesar do recurso ao STF, o presidente nega que haja um racha entre o Executivo e o Legislativo. “O presidente da República não rompe com o Congresso. Eu mando um projeto de lei, eles podem aprovar ou não. Se eu vetar, eles podem derrubar o meu veto, e se eu não gostar, eu vou no Poder Judiciário. Qual é o erro nisso?”, afirmou, normalizando o uso recorrente do Supremo como instância final da vontade presidencial.
Curiosamente, enquanto o governo ataca o Congresso por reverter o aumento do IOF, Lula se disse “agradecido” aos parlamentares pela aprovação de outras pautas de interesse do Planalto no mesmo dia, como a isenção do Imposto de Renda para salários de até dois mínimos, a liberação de crédito consignado no setor privado e o uso de até R$ 15 bilhões por ano do Fundo Social para habitação e exploração de óleo e gás.
“Ou seja, eu sou agradecido”, declarou, ignorando o conflito institucional agravado com a judicialização do IOF e tentando demonstrar normalidade política, apesar da tensão visível entre os Poderes. Em rede social, Lula ainda tentou capitalizar o embate com um slogan próprio do petista: “Mais justiça tributária e menos desigualdade. É sobre isso.”
Na prática, o gesto de Lula de recorrer ao STF após derrota política reacende o debate sobre a crescente interferência do Judiciário em temas de competência do Legislativo e revela a dificuldade do presidente em aceitar contrariedades políticas por vias democráticas. O recurso jurídico pode, na visão de críticos, ser interpretado como sinal de autoritarismo disfarçado de governabilidade.
“Super ricos”
Enquanto tentava em Salvador reforçar sua imagem junto à militância petista durante as celebrações do 2 de julho, que marca a consolidação da Independência do Brasil na Bahia, Lula exibiu cartazes defendendo a taxação dos super-ricos — uma pauta com forte apelo popular, mas com pouca concretude até agora em sua gestão. Estava acompanhado do governador Jerônimo Rodrigues (PT), da primeira-dama Janja e da ministra da Cultura, Margareth Menezes.
Após a agenda festiva, Lula seguiu para Buenos Aires, onde participa da cúpula do Mercosul. Depois, estará no Rio de Janeiro, nos dias 6 e 7 de julho, para o encontro do Brics. Em meio às viagens e aparições públicas, o presidente prometeu que, ao retornar a Brasília, pretende “conversar tranquilamente” com os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Davi Alcolumbre. Segundo ele, será o momento de “voltar à normalidade política”. Uma promessa que contrasta com o gesto de escalar o Supremo para resolver impasses que deveriam ser enfrentados com diálogo político.
Acordo do INSS no STF
A AGU apresentou ontem (2) ao STF um acordo de conciliação para reembolsar aposentados e pensionistas vítimas de descontos indevidos no INSS entre março de 2020 e março de 2025. O plano assinado pelo Ministério da Previdência, DPU (Defensoria Pública da União), MPF (Ministério Público Federal) e Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) agora aguarda homologação do ministro Dias Toffoli.
Cerca de 2,16 milhões de pessoas que contestaram os débitos sem resposta poderão receber os valores corrigidos pelo IPCA. Quem aceitar o acordo terá sua ação judicial extinta e abrirá mão de indenização por danos morais. O governo estima impacto de até R$ 2,1 bilhões, com início dos pagamentos em 24 de julho, em lotes quinzenais. Ainda não há cronograma detalhado nem custo total definido.
Ao todo, o INSS recebeu 3,6 milhões de reclamações, mas 828 mil foram respondidas com justificativas das associações e não serão incluídas inicialmente. A ação no STF foi proposta pelo governo Lula para suspender ações judiciais, mas Toffoli apenas congelou o prazo de prescrição.