ANÁLISE

Reforma tributária ameaça a competitividade do agronegócio e pode gerar demissões

Reforma tributária ameaça a competitividade do agronegócio e pode gerar demissões
Agência Brasil

Como a fundação existente em um edifício, o agronegócio é hoje a base de todo o PIB (Produto Interno Bruto) nacional. Sustentado pelo tripé produção agrícola, pecuária e agroindústria, o setor é responsável pela geração de 28,4 milhões de postos de trabalho no País.

Além dos trabalhadores diretamente envolvidos na produção, há uma ampla gama de empregos indiretos em áreas como transporte, armazenamento e processamento de produtos agrícolas.

O agro é a espinha dorsal das exportações brasileiras. O Brasil é um dos principais exportadores globais de commodities como soja, milho, café, açúcar e carne, o que gera uma entrada significativa de divisas no mercado interno. Exemplo para o mundo em preservação do meio ambiente, o agronegócio ainda se depara com vários desafios, principalmente o de incutir na mente de população que não é responsável por desmatamentos e queimadas, como tem sido rotulado criminosamente nos últimos tempos pela mídia, colocando a opinião pública contra um setor tão importante para o desenvolvimento do País.

Nos últimos tempos, uma das pautas relevantes no contexto do agronegócio e seus impactos dizem respeito à reforma tributária, ainda tramitando em Brasília. Os reflexos são notórios, com foco nas alíquotas e estrutura tributária, embora o objetivo primordial é o de simplificar o sistema de impostos sobre consumo.

Novos percentuais

Por conta de sua pluralidade e importância para o desenvolvimento socioeconômico nacional, o agronegócio desfruta de uma atenção diferenciada. Sobre o IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS, o setor conta com alíquotas reduzidas ou até mesmo zeradas. Há também a possibilidade de recuperação de crédito tributário em espécie ou a compensação dos tributos.

O setor produtivo franze o nariz com possibilidade de elevação das alíquotas a partir da substituição pelos novos impostos: IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e o CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços).

Atualmente, a alíquota média que o agronegócio desembolsa gira em torno de 3% a 4%. Entretanto, a partir da nova reforma tributária, esse percentual poderá subir para até 11%.

Bem longe disso está simplificação tributária, com uma série de regras e dois sistemas distintos, cenários que podem gerar ainda mais custos para o empresário do segmento agro do Brasil. Como se já não bastasse o elevado custo logístico e trabalhista, o possível aumento das alíquotas tende a impactar a competitividade dos produtores brasileiros lá fora. É o oposto da realidade observada em países como Estados Unidos, França e Suíça, ao oferecer subsídios aos seus agricultores para produzir.

Impacto no consumidor

Para entender melhor sobre os impactos da reforma tributária no agronegócio, a equipe de reportagem do Jornal O Paraná conversou com os advogados Leonardo Menin, da Bonamigo Menin Advogados Associados e Wesley Nunes Bueno, da Berbigier Advogados.

“O simples fato de um aumento efetivo da carga tributária vai resultar na elevação de preços para o consumidor final, reduzindo o consumo, principalmente da fatia mais carente da sociedade”, comenta o advogado Leonardo Menin. Para ele, esse cenário atingirá em cheio a segurança alimentar da população, o pleno funcionamento da indústria nacional e a manutenção dos empregos.

Na ótica do advogado Wesley Nunes Bueno, outro ponto que saiu do controle do Legislativo é o Imposto Seletivo, batizado de Imposto do Pecado. “Ele visa basicamente desencorajar a prática de atividades e o consumo de itens nocivos à saúde e ao meio ambiente. Entendemos que a ideia de criação desse imposto é bastante válida, mas isso deveria atingir somente os itens como cigarro, bebidas alcoólicas, combustíveis mais poluentes e outros similares”, observa. “No entanto, por meio de “remendos” oriundos de lobby, isso irá atingir, por exemplo, as máquinas agrícolas que são utilizadas na extração da produção e até mesmo carros elétricos que, ao menos em tese, são menos poluentes e funcionam sob energia verde”.

O reflexo no agronegócio é algo certo, a partir da adesão desse modelo de reforma tributária em trâmite, no entendimento dos advogados. “Toda a cadeia de produção será onerada em comparação com as alíquotas hoje praticadas, desde o transporte de trabalhadores até todos os custos de escoamento da produção para os portos”, salienta Menin. De acordo com ele, não há como prever de forma exata como o setor será afetado, pois os efeitos podem ser ainda maiores. “A nossa percepção é justamente a de que o setor agropecuário irá dar preferência ao escoamento da sua produção ao exterior, tendo em vista que as exportações ainda são imunes do ponto de vista tributário, imunidade que advém da Constituição Federal”. O próprio mercado externo deverá sofrer com o desabastecimento e alta nos preços, na visão do advogado Wesley Nunes Bueno.

Os pequenos produtores também vão sentir na pele as implicações da reforma tributária. A nova reforma prevê que produtores que faturam até R$ 3,6 milhões anuais precisarão se tornar pessoas jurídicas para ter acesso ao crédito presumido, essencial para manter a competitividade. Isso pode criar barreiras adicionais, dificultando a sobrevivência desses pequenos produtores no mercado e, por consequência, prejudicando toda a cadeia produtiva do agro.

É importante esclarecer: os produtores com faturamento até R$ 3,6 milhões estarão sob enquadramento opcional no regime do IBS e da CBS, no entanto, aquele que auferir receita superior a esse valor, restará enquadrado de forma obrigatória. Os impactos ao pequeno produtor que não optar pelo regime IBS e da CBS, são: Não fornecimento de créditos da IBS e CBS para a próxima etapa da cadeia (Indústria / Revendas agrícolas), tendo em vista o não pagamento desses tributos na etapa anterior; Fornecimento de crédito presumido à etapa seguinte da cadeia (Indústria / Revendas agrícolas) em valor ou percentual ainda desconhecido. Podendo gerar uma perda de competitividade do produtor que não optar pelo pagamento do IBS e da CBS.

“Percebemos que o que definirá se os produtores optarão ou não pelo regime do IBS e da CBS será o valor ou percentual do crédito presumido que os não contribuintes fornecerão às próximas etapas da cadeia”, comenta Menin. “De forma que, se o valor for ínfimo em relação ao fornecimento de créditos pelos contribuintes do IBS e da CBS, haverá uma tendência de que até mesmo os produtores que faturam menos que R$ 3,6 milhões no exercício optem pelo regime para não perder competitividade frente aos demais produtores contribuintes. Isso necessariamente acarretará um aumento de burocracia e custos ao pequeno produtor rural”.

Dívida tributária evidencia sistema falido, dizem advogados

Para os advogados Leonardo Menin e Wesley Nunes Bueno, a dívida tributária já existente no Brasil, que ultrapassa R$ 12,5 trilhões, evidencia um sistema falido. “O aumento da carga tributária pode agravar ainda mais essa situação, tornando o cumprimento das obrigações fiscais ainda mais difícil para os empresários honestos que já lutam para se manter em dia com o fisco”, entende Wesley Nunes Bueno. Para ele, a velocidade com que a reforma está sendo aprovada também é motivo de preocupação. A Câmara dos Deputados aprovou o texto em tempo recorde, sem a devida discussão e análise aprofundada das centenas de emendas apresentadas. Agora, cabe ao Senado examinar com mais calma e atenção, evitando que decisões precipitadas prejudiquem ainda mais o setor agropecuário.

A Frente Parlamentar, as entidades representativas do agronegócio e os agricultores precisam se mobilizar para que sejam apresentadas soluções ao texto com objetivo de mitigar os impactos negativos da reforma. Embora o pior cenário já esteja delineado, ainda há espaço para ajustes que possam preservar a competitividade do agro e, por extensão, a estabilidade econômica do país. “A sociedade deve estar ciente de que as decisões tomadas agora poderão afetar o país por décadas, e é necessário um esforço conjunto para garantir que o novo sistema tributário seja justo e eficiente, sem sacrificar um dos setores mais importantes da nossa economia, que é o agronegócio”, enfatiza o presidente da FPA, deputado federal Pedro Lupion.