Cotidiano

Conterrâneos e contemporâneos, Pinduca e Dona Onete lançam discos

RIO – Contemporâneos (ele tem 79 anos, ela tem 77) e conterrâneos (paraenses), Pinduca e Dona Onete chegam às lojas juntos. Ele traz ?No embalo do Pinduca?, que reúne músicas acumuladas ao longo de sua carreira ? uma estrada de 36 discos com esse. Ela vem com ?Banzeiro?, fornada de canções em sua maioria compostas após o lançamento de seu primeiro disco, ?Feitiço caboclo?, de 2015 ? repertório que apresenta amanhã, no Circo Voador.

Financiados pelo edital Natura Musical, os dois discos se encontram não só pela proximidade geracional e geográfica de seus artistas. Ambos apresentam, a seu modo, um olhar tradicional e renovado sobre cultura, cenários e personagens do Pará. Dona Onete, de seu lado, canta desde os popopôs ? barcos que sobem e descem os rios levando sabores e cheiros do estado, como pataqueira e priprioca ? aos amores dos cabarés de Belém. Temperos típicos são presença constante nas suas letras, como ?Queimoso tremoso? e ?Tipiti?.

? Cozinho muito as coisas caboclas. Adoro cantar tudo que temos aqui. Não sou garota propaganda porque não sou garota. Sou velha propaganda (risos)!

Os sabores do Pará muitas vezes aparecem em metáforas maliciosas ? a sensualidade é o tempero central de sua música, de forma quente, clara e nada vulgar, como uma troca de olhar num cabaré que serve de cenário a suas canções.

? Idade não limita ninguém. A coisa fica maliciosa quando você coloca a malícia, mas eu coloco mais ternura. Mas é um pouquinho só apimentado, né? Às vezes tenho até vergonha de dizer uma palavra de uma música que fiz quando era mais nova, como em ?Quando eu te conheci? (?Eu adorei teu jeito louco/ Muito louco, muito louco/ De fazer amor?). Mas o povo diz: ?Dona Onete, a senhora pode dizer tudo? ? conta ela, acrescentando que não tem namorado. ? Sou viúva, quero mais saber de ninguém. Mas sou pedida em casamento é muito!

?Banzeiro? tem produção do guitarrista Pio Lobato, que busca trazer nos timbres e arranjos um diálogo entre uma estética contemporânea e, nas palavras de Dona Onete, ?uns ritmos do interior do igarapé Rio das Flores, uns batuques que os negros faziam com os caboclos, os índios?.

?JÁ ESTOU PENSANDO NA FESTA DE 80?

?No embalo do Pinduca?, produzido por Manoel Cordeiro, segue à sua maneira o caminho de trazer para sonoridades atuais clássicos do compositor, como ?Sinhá Pureza? e ?Carimbó do macaco?. O artista ficou empolgado com o resultado:

? Dá impressão de que tô voltando no tempo, que sou ainda o garoto da época em que fiz aquelas músicas. Não ligo pra idade, estou com 79 e já estou pensando na minha festa de 80, quando ainda estarei produzindo, ativo. Gosto de comemorar. Temos que aproveitar tudo da nossa vida, não podemos perder nenhuma oportunidade. Onde me convidarem, onde soltarem foguete, e baterem tambor, estou lá.

O espírito festivo atravessa o disco, banhado em referências paraenses, como ?Garota do tacacá? (?Vi uma menina de uns 10 anos fazendo a mistura do tacacá numa barraquinha?, diz sobre sua inspiração).

Debates travados no calor de 2016 também se refletiram nos discos. Dona Onete fez ?Na linha do arco-íris?, dedicada à comunidade LGBT (a partir da morte, aos 21 anos, de um fã e amigo, gay). Pinduca deu um toque feminista a um verso de ?O rico o pobre?. Em vez de cantar que ?a mulher engana os dez? tipos de homem da letra, ele diz que a mulher ?manda? em todos.

? Sou favorável à mulherada mandar no governo, mandar em tudo ? defende Pinduca.