RIO – O propósito era fazer uma surpresa à mulher, mas o primeiro a se espantar com o presente de Sérgio Cabral para a então primeira-dama, Adriana Ancelmo, foi o empreiteiro Fernando Cavendish, dono da Delta Construções. Cabral o convidou para bater perna pelas lojas de Mônaco, onde ambos estavam, atrás de uma recordação para a Adriana. Ela aniversariava no dia seguinte, 18 de julho de 2009. Na porta da filial da Van Cleff & Arples, famosa joalheria, na Place du Casino, o governador do Rio pegou o empresário pelo braço e entrou. Nada olhou, pois o presente já estava reservado: um anel de ouro branco e brilhantes. Só ali, quando tudo já estava decidido, Cavendish descobriu que a conta lhe caberia. Valor: 220 mil euros (cerca de R$ 800 mil).
Cavendish, que faria em Mônaco a maior compra de sua vida em cartão de crédito, deixou a loja com a suspeita de que já estava tudo armado e a promessa do amigo de que a dívida seria acertada mais à frente.
Uma foto de Cabral com Adriana, na qual a mulher exibe o anel na mão esquerda, é uma das provas exibidas por Cavendish à força-tarefa da Lava Jato no Rio e em Brasília para provar a compra. O empresário, que cumpre prisão domiciliar, está negociando a delação premiada. Ele também entregou a nota fiscal, o certificado de compra e o comprovante de pagamento com cartão de crédito. Depois que a amizade com Cabral foi rompida, contou Cavendish, o anel foi devolvido a ele por um amigo do ex-governador, Paulo Fernando Magalhães Pinto.
A fotografia, segundo O GLOBO apurou, foi feita no estreladíssimo restaurante “Luís XV”, do chef Alan Ducasse no Hotel de France, em Mônaco, onde o grupo de amigos liderado por Cabral estava hospedado. O presente foi dado por Cabral durante o jantar, na presença de Cavendish, da então namorada do empresário, Jordana Kfouri, do ex-secretário de Saúde Sérgio Côrtes e mulher, e do então assessor de Cabral Luiz Carlos Bezerra e mulher.
Cabral parabénsUm vídeo, divulgado pelo ex-governador Anthony Garotinho em seu blog, em 2012, também exibe Adriana com o anel no dedo enquanto os convidados cantam um “parabéns” puxado por Cabral. O grupo, de acordo com Cavendish, fazia um tour de dez dias pela França, motivado também por um show da banda U2 em Nice. Mas Garotinho confunde esta viagem com outra à França, em setembro daquele mesmo ano, que ficou famosa pela sequência de fotos dos amigos empresários e secretários estadual com guardanapos na cabeça.
Até então, relatou o empresário, o presente mais expressivo que dera a Cabral foi um carro. E mesmo assim, a Ford Ranger 2007, placa KXG 0628, saiu de uma concessionária, em março daquele ano, em nome de Paulo Fernando, por ser amigo de confiança de Cabral, para evitar a associação direta do mimo com o empreiteiro. Para provar que o carro é de Cabral, Cavendish tem fotos do governador na Ranger. Quando se separou por um tempo de Adriana Ancelmo, Cabral morou no apartamento de Magalhães Pinto em Ipanema.
FIM DA AMIZADE
O anel foi devolvido em 2012, quando Cabral rompeu com Cavendish após as revelações de que a Delta usava as empresas do bicheiro Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlinhos Cachoeira, para lavar dinheiro. Esta descoberta foi um desdobramento da Operação Monte Carlo da PF deflagrada em Goiás para desarticular uma organização que explorava máquinas caça-níqueis, e levou à prisão o diretor da Delta Centro-Oeste, Claudio Abreu.
Cavendish, acuado, foi ao encontro de Paulo Fernando, a quem pediu que levasse um apelo a Cabral, no sentido de evitar que a empresa não fosse declarada inidônea. No meio da conversa, Paulo Fernando lhe entregou o anel. Foi então que Cavendish percebeu que já não havia mais nada a fazer. Para ele, o gesto dizia tudo. A amizade, inciada em 2003, havia chegado ao fim.
Na delação, o empresário está citando outros episódios que ajudam os investigadores a entender como cresceu tanto nos dois governos de Sérgio Cabral – entre 2009 e 2010, foram R$ 538 milhões em contratos com seis órgãos do Estado do Rio. Mas, para o próprio Cavendish, o anel da Van Cleff é a peça mais simbólica do tipo de relação que Cabral estabeleceu com os empreiteiros.
Um ano antes do rompimento da amizade entre Cavendish e Cabral, a queda de um helicóptero no Sul da Bahia expôs a relação íntima entre os dois. Na tragédia morreram a namorada de seu filho Marco Antônio Cabral, Mariana Noleto, a mulher do empreiteiro e sua irmã, Fernanda, e filho de ambas, e ainda a babá Norma Batista de Assunção e o piloto da aeronave, o empresário Marcelo Almeida, presidente do First Class Group e dono do Jacumã Ocean Resort, para onde ia o grupo.
u2 – cabral Em outro episódio, em abril de 2012, fotos publicadas no blog do ex-governador Anthony Garotinho mostraram Cabral e os então secretários Wilson Carlos (Governo) e Sérgio Côrtes (Saúde) numa viagem a Paris na companhia de Fernando Cavendish. Numa das imagens, Wilson Carlos e Sérgio Côrtes dançam abraçados com Cavendish. O clima de comemoração era tanto que o grupo, bem desinibido, usou guardanapos amarrados na cabeça. Em outra sequência, Cabral é visto sorridente posando para fotos ao lado de Cavendish que, agachado, parece brincar com a situação. Na mesma foto, estava o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE), Aloysio Neves.
Cavendish, segundo amigos próximos, procura apresentar-se às autoridades como uma pessoa disposta a colaborar. Ele garantiu que continua tendo credibilidade junto a outros diretores e funcionários da Delta, o que poderá encorajá-los a também contribuir. Como não pode sair de casa, usa parte do tempo para recordar episódios que podem fortalecer a sua delação.
Procurado pelo GLOBO, o empresário disse que está impedido de falar com a imprensa em decorrência de sua situação judicial. Paulo Magalhães não foi encontrado.
Em nota à redação o ex-governador Sérgio Cabral disse que “não tem como se posicionar sobre supostas declarações cujo conteúdo desconhece.”