RIO – Em agosto de 2015, num debate com outros pré-candidatos republicanos à Presidência dos Estados Unidos, Donald Trump fez seu discurso mais duro contra o modelo de financiamento de campanha no país. Apontando o dedo para seus adversários, o empresário lembrou que, antes de ser um político, recebia constantes pedidos de ajuda nos gastos com propaganda eleitoral. ?Dois ou três anos depois, quando eu precisava deles, era só telefonar que todos estavam lá para mim?, concluiu Trump, ele próprio admitindo sua participação no que chamou de ?sistema falido?.
A polêmica sinceridade do republicano expôs uma ferida no processo eleitoral americano. Só no pleito de 2016, considerando candidatos à Presidência e ao Congresso, serão gastos mais de US$ 6 bilhões em campanha, segundo estimativas da organização Center for Responsive Politics. Na prática, Trump denunciou o fato de políticos favorecerem interesses privados como contrapartida a doações bilionárias feitas por empresários. Mas, segundo a jornalista e cineasta Alexandra Pelosi, diretora do documentário ?Doações de campanha: o dinheiro fala mais alto??, ninguém deu muita bola.
? É chocante que ninguém vá às ruas protestar. É como se, por desilusão, ninguém mais se importe com esse sistema corrupto ? disse Alexandra, em entrevista por telefone, ao GLOBO. ? Tudo é permitido pelas leis aprovadas pelos políticos que recebem os cheques. E a mídia é patética ao não tratar disso: ninguém pergunta o que alguém que doa US$ 10 milhões receberá em troca.
?Eles querem algo em troca?
Para fazer ?Doações de campanha?, Alexandra buscou megadoadores justamente com a pergunta de dez, cinco ou um milhão de dólares ? conforme o espírito caridoso de empresários em oferecer recursos a democratas, republicanos ou ambos. Ela procurou cem mecenas, mas só 30 aceitaram ser gravados. O filme foi exibido pela primeira vez nos EUA em agosto, com vasta repercussão, e chega ao Brasil em 7 de novembro, um dia antes da eleição americana, com transmissão às 22h pela HBO.
Filha de Nancy Pelosi, política democrata que foi a primeira mulher a presidir a Câmara dos Representantes, Alexandra tem cerca de dez documentários no currículo. O mais famoso deles é ?Journeys with George? (2002), filme indicado a seis prêmios Emmy e que mostrou os bastidores da campanha presidencial de George W. Bush em 2000. Alexandra se assume democrata, mas fez questão de equilibrar ?Doações de campanha? com entrevistas (des)favoráveis aos dois lados da política americana.
? Temos apenas os candidatos que o dinheiro pode comprar. Quem não consegue doações não tem a menor chance ? ironiza Alexandra. ? Por falta de opção, vou votar em Hillary Clinton. Mas vou de nariz tapado. Acho que as pessoas nunca ficaram tão infelizes com as possibilidades de presidente que temos.
O filme cita, por exemplo, o caso da empresária Penny Pritzker, cuja família é proprietária da rede de hotéis Hyatt: ela foi uma importante doadora de recursos para a campanha de Barack Obama e, depois, acabou nomeada pelo mesmo Obama, em 2013, para secretária de Comércio. Por outro lado, o magnata John Catsminglis, dono de uma rede de supermercados, contou, em entrevista a Alexandra, que sempre doou para republicanos atrás de influência.
? Se ligar para alguém, quero ter certeza que o telefone será atendido ? disse Catsminglis.
Entrevistas como essa são certamente o que há de mais impressionante no documentário. Em geral, os megadoadores justificam que querem ?espalhar uma boa mensagem? ou que lutam pela eleição do ?candidato mais nobre?. Mesmo os que doam para democratas e republicanos num mesmo pleito justificam a bipolaridade por ?confiarem no sistema democrático?. Quem acredita neles? Alexandra, certamente, não.
? Eles assinam os cheques porque querem algo em troca. É uma tragédia termos uma candidata democrata que votou a favor da guerra, como Hillary. E por que fez isso? Porque seus doadores de campanha eram a favor da guerra ? avalia a cineasta.
Meet The Donors: Does Money Talk? (HBO Documentary Films)
Panorama histórico
O documentário também traça um breve histórico do financiamento de campanha nos EUA. Durante décadas, a disputa mais cara foi a de 1896, quando William McKinley arrecadou o equivalente hoje a US$ 96 milhões para ser eleito presidente. O recorde só foi quebrado na década de 1960 ? e tem sido sucessivamente superado desde então. Em 1964, Lyndon B. Johnson foi reeleito depois de uma disputa que custou US$ 300 milhões.
A partir de 1976, ainda sob o efeito do escândalo de Watergate, os EUA tentaram moralizar as eleições e começaram um financiamento público de campanha. Cada cidadão decidia, ao declarar o imposto de renda, se aceitava dedicar US$ 1 às propagandas de candidatos (em 1994, a contribuição passou a US$ 3). O mecanismo prevaleceu até 2008, quando Obama rejeitou os US$ 84 milhões a que tinha direito de fundo público e levantou US$ 1 bilhão em doações privadas.
Os valores, diz o documentário, aumentaram ainda mais com uma decisão da Suprema Corte em 2010, permitindo que empresas e sindicatos doassem o quanto quisessem não diretamente aos políticos, mas a comitês constituídos para apoiar causas, ideias e candidaturas ? os chamados Super PACs. É aí que está, segundo Alexandra, a atual caixa-preta no sistema:
? As doações são uma transação. As empresas doam porque querem algo, como passar uma lei. E isso é permitido.