FILADÉLFIA E WASHINGTON – Nesta semana, quando Hillary Clinton tentava tirar a nova investigação sobre o uso de e-mails do foco da campanha presidencial, apelou às mulheres, lembrando que Donald Trump ofende, humilha e agride o gênero oposto. Na quinta-feira foi a vez de Melania Trump defender o marido perante o universo feminino. Mais que nunca, as mulheres podem decidir as eleições ? e elas tendem ainda mais em 2016 para os democratas.
Historicamente, mulheres vão mais às urnas que os homens. Segundo o Centro de Mulheres Americanas para a Política (CAWP, na sigla em inglês), 63,7% das aptas a votar foram às urnas em 2008, contra 59,8% dos homens. Na reeleição de Barack Obama, 71,4 milhões de mulheres votaram, contra 61,6 milhões de homens. E muitos especialistas acreditam que o número pode crescer. EUA conteúdo 1ªs pgs
? Vemos muitas mulheres motivadas para votar neste ano, mas muito mais contra Trump e seus comentários sexistas do que pelo fato de Hillary Clinton ser a primeira candidata com chances reais de vencer ? avalia Jennifer Lawless, professora da American University e coautora do livro ?Women on the run? (Mulheres na disputa).
Apesar da importância histórica que sua eleição teria, Hillary era vista com desconfiança entre muitas mulheres, em parte por causa das denúncias de assédio sexual contra seu marido, Bill Clinton.
? O senso comum é que as mulheres estariam muito mais entusiasmadas se fosse qualquer mulher, menos ela ? afirma Nahal Toosi, correspondente do site especializado ?Politico?.
Sexismo explícito em comentários
Mas as declarações sexistas de Trump ajudaram a democrata. Em gravações de 2005 vazadas, ele fala de forma extremamente grosseira e vulgar de mulheres, dizendo que pode fazer o que quiser com elas por ser uma celebridade. No primeiro debate, Hillary relatou o caso de Alicia Machado, ex-Miss Universo venezuelana chamada por Trump de ?miss porquinha?, ?miss empregada? e ?máquina de comer?. Os temas foram explorados pela democrata e não pegaram bem para o eleitorado feminino. A maior parte das mulheres (60% contra 48% dos homens) acredita que o magnata passou dos limites. O gênero influencia inclusive aquelas que o apoiam: 59% dos homens que votam nele dizem que insultos do tipo ?fazem parte?, contra apenas 41% de suas eleitoras.
Mark Hugo Lopez, diretor de pesquisa hispânica do Pew Research Center, acredita que, nestas eleições, os votos serão decididos pelas mulheres e por brancos de classe média.
? O impacto dos comentários de Trump entre mulheres foi crucial. Ele perdeu entre cinco e dez pontos percentuais após as declarações.
Outra ajuda para reduzir a rejeição feminina a Hillary foi da primeira-dama. O apoio (um pouco tardio) de Michelle Obama pode ser decisivo para a ex-primeira-dama conquistar o voto feminino.
? Michelle é a rockstar desta eleição, e tem atraído tanto as mulheres democratas quanto as republicanas. Ela tem o talento para articular esse voto, dizendo: ?Pensem nas suas filhas, pensem nas suas irmãs? ? diz Angela Val, vice-diretora-executiva do comitê de boas-vindas durante a Convenção Nacional Democrata, na Pensilvânia. ? Ainda assim, é claro que Hillary não entusiasma as mulheres tanto quanto os negros empolgaram Obama. Ela não é necessariamente a pessoa que elas teriam escolhido como sua primeira mulher presidente.
E entre as mulheres negras, a percepção de estar ?fazendo História? é ainda maior, o que pode explicar a força da primeira-dama na reta final. Uma pesquisa da Associação Nacional de Editores de Jornais (NNPA, na sigla em inglês) em parceria com a Howard University, divulgada esta semana, indica que o grupo se sente ?na vanguarda das mudanças sociais e da História política dos EUA?, por ter ajudado a eleger o primeiro presidente negro e, espera agora, a primeira mulher.
? As mulheres lideraram as duas últimas votações dentro do grupo de negros. E nesta eleição elas terão um peso ainda maior ? explica ao GLOBO Benjamin Chavis, presidente da NNPA.
Estes dados podem dar a Hillary uma ajuda nunca antes vista. Um levantamento em meados de outubro do site ?FiveThirtyEight? mostra que, se apenas as mulheres votassem, Hillary teria 458 votos do Colégio Eleitoral, deixando apenas 80 delegados, de 12 dos 50 estados, para Trump. Por outro lado, se apenas os homens votassem, Hillary venceria apenas em 14 estados e teria 188 delegados, muito aquém dos 270 necessários para ir à Casa Branca.
? As mulheres tendem a preferir mais o Partido Democrata que os homens. Isso vem desde 1980, e era chamado de diferença de gênero ? afirma Gary Nordlinger, professor da Universidade George Washington. ? As avaliações negativas de Trump são especialmente altas entre as mulheres este ano, então a participação maior provavelmente das mulheres na eleição será para a vantagem de Hillary Clinton.
Trump tentou reverter isso ontem. Sua mulher, Melania, fez uma rara participação na campanha, ao participar de um comício em Filadélfia. Pela primeira vez sozinha no palanque, falou dos planos do marido para mulheres, crianças e famílias.
? Eu quero que as crianças deste país e de todo o mundo tenham uma vida bonita e segura. Precisamos ensinar-lhes os valores americanos: gentileza, respeito, compaixão, caridade, compreensão e cooperação ? disse Melania.
Melania, até então, tinha apenas feito um discurso político ? na Convenção Nacional Republicana, em julho. Mas o episódio gerou uma polêmica, pois ela havia copiado trechos do discurso de Michelle Obama na convenção democrata de 2008. Uma assessora assumiu o erro e, desde então, Melania pouco atuou na campanha.
? Não podemos nos chamar de uma nação totalmente desenvolvida quando 50% das nossas mulheres vivem na pobreza; 60 milhões não têm seguro de saúde; e tantas têm que escolher entre necessidades básicas, como aluguel, comida e cuidados médicos ? disse ela, em tom calmo e suave.
Mas não basta apenas a eleição para a presidência, segundo especialistas na questão. A CAWP divulgou um estudo na quinta-feira que mostra que as mulheres ainda têm muito a conquistar. Neste ano serão 2.602 candidatas aos legislativos estaduais, um número recorde, mas o total de mulheres eleitas continua baixo. Atualmente, elas representam apenas 24,4% das cadeiras. Apesar de ser o maior número da história, não é muito diferente do obtido em 1990, quando ela passaram a representar, pela primeira vez, 20% dos legislativos estaduais.
(*A repórter viajou a convite do Departamento de Estado dos EUA)