KARACHI, Paquistão ? Por anos, a violência impediu muitos jovens aspirantes a músicos do Paquistão de seguir seus sonhos, fosse pela ameaça dos ataques dos militantes do Talibã ou pelas guerras de gangues da populosa cidade litorânea de Karachi. Mas, agora que as leis estão sendo aplicadas com mais rigor e a situação da segurança no país começa a melhorar, alguns músicos estão conseguindo a ajuda da startup Patari, uma produtora e empresa de streaming com dois anos de existência.
Juntos, o trabalho dos músicos e da startup está revelando um novo espaço criativo para jovens de maioria muçulmana no Paquistão, onde habitantes abaixo dos 30 anos compõem mais de 60% da população, que chega a quase 200 milhões de pessoas.
O conjunto de rap Lyari UnderGround, por exemplo, já teve medo de divulgar suas músicas no Facebook, intimidado por episódios sangrentos de guerras entre gangues da cidade que leva o mesmo nome dele. Muitos paquistaneses consideram Lyari o lugar mais perigoso de Karachi. Mas a mesma violência inspirou muitas canções do grupo, seguindo a linha da música do rapper americano Tupac Shakur, afirmou o fundador, que atende pelo nome AnXiously.
? Em um gueto, o rap existe naturalmente ? ele acrescenta. ? Se não há rap, então não há um gueto. Ele é um produto dessa realidade e desse ambiente.
Lyari Underground & Dynoman – ‘Players of Lyari’
Os integrantes disseram que, quando escutaram Tupac pela primeira vez, apesar de meio mundo de distância, as músicas lembraram suas próprias experiências de violência e miséria. Lyari continua sendo uma das áreas mais pobres de Karachi, com limitações financeiras que muitas vezes forçam os jovens a renunciar a suas carreiras artísticas.
DO STREAMING À PRODUÇÃO
Lançado em fevereiro de 2015, o Patari já ostenta um catálogo com 40 mil músicas e podcasts do Paquistão e conta com mais de meio milhão de assinantes, informa o chefe executivo Khalid Bajwa. Hoje, perto de 30 milhões de paquistaneses têm acesso à internet, principalmente através de aparelhos móveis, segundo dados da organização de direitos digitais Bytes for All.
Bajwa evita falar da receita da empresa, mas garante que a Patari é “auto-sustentável”, sobretudo pela produção de eventos para empresas como Pepsi, Unilever e a marca de roupas local Khaadi.
A última iniciativa da produtora, que ganhou o nome Tabeer, ou “Sonho Realizado”, juntou artistas famosos do país com músicos desconhecidos na intenção de gravar seis canções e videoclipes, com um orçamento de US$ 15 mil. Além da parceria, as canções entrariam no aplicativo. A ideia da empresa se debruçou sobre o fato de que a cena pop local se limitava a poucos “shows de formato corporativo”, contando com os mesmos artistas a cada ano e excluindo músicos amadores.
? Percebemos uma ineficiência no mercado, no qual se enxerga tantos talentos, tanto interesse, mas nada que servisse de ponte entre os dois lados ? contou o diretor de operações Ahmer Naqvi.
Os dois primeiros clipes, protagonizados por Abid Brohi, um rapper da cidade remota de Sibi, da província do Baluchistão, e pelo vendedor de chá Jahangir Saleem, de 13 anos, conseguiram mais de um milhão de visualizações, igualando-se aos números do Coke Studio, maior programa de música do Paquistão.
Outro vídeo tem como personagem um habitante de Islamabad, capital do país, chamado Nazar Gill, que fez parte da equipe de limpeza de um prédio residencial onde o diretor de operações do Patari já morou. Um dia, Gill bateu na porta de Naqvi e perguntou se podia cantar uma canção autoral para ele.
? Eu cantei minha composição e ele gostou ? relembra Gill, que faz parte de uma minoria cristã do país, orgulhosa por sua tradição musical própria. ? Ele disse “Nazar, eu não vou deixar sua voz ir para o lixo”.
“Jugni” – Nazar Gill and Farhan Zameer
FORA DA SOMBRA DO TALIBÃ
Uma das artistas do Tabeer, Malala Gul, escolheu a música porque cresceu com ela, através de uma tia que cantava músicas no dialeto Pashto, falado ao noroeste do Paquistão. Quando começou a cantar, há cinco anos atrás, o país vivia tempos duros, arrasado pela violência do Talibã.
? As condições em Peshawar eram muito ruins, mas graças a Deus que a situação melhorou agora ? disse.
Gul também salientou a importância da música e rebateu todos aqueles que não a consideram islâmica.
? Esse é um mundo grande, onde algumas pessoas vão dizer coisas diferentes de outras, mas qualquer um capaz de compreender e valorizar a música vai muito além dessas discussões.