A equipe de Fiscalização do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RJ) investiga o uso da Fundação Leão XIII, que pertence ao governo do Estado, por parte de candidatos a vereadores. Na capital fluminense, os fiscais apontam o envolvimento de dois vereadores do PMDB, que tentam a reeleição, na distribuição de óculos de grau para eleitores com baixa renda, ação essa que é da fundação. Para o juiz Marcello Rubioli, coordenador da Fiscalização do TRE-RJ, tratam-se de casos de compra de votos. Há ainda outros candidatos sem mandato que estão na mira do tribunal.
Na terça-feira, o vereador e presidente da Comissão de Saúde da Câmara do Rio, João Ricardo (PMDB), foi abordado pelos fiscais durante uma ação para a distribuição de óculos na Ilha de Paquetá. O caso foi registrado na delegacia da Polícia Federal, na Praça Mauá, para onde um funcionário da Fundação Leão XIII foi levado para prestar depoimento. Na operação, os fiscais apreenderam 116 óculos. Segundo os fiscais do TRE, os beneficiários dos óculos contaram que a ação estaria sendo comandada pelo vereador, que negou as acusações em conversa com a equipe do tribunal.
Rubioli disse que vai propor ação penal contra o candidato por corrupção eleitoral, cuja pena chega até quatro anos, e outras ações na esfera civil por captação de sufrágio e abuso de poder político, o que pode acarretar na cassação do registro de candidatura, do diploma e levar a inelegibilidade por oito anos. A Fiscalização encaminha as evidências de compra de votos para o Ministério Público Eleitoral, responsável por entrar com as ações.
? O vereador se comportava como se fosse o mecenas da população. Ele (João Ricardo) estava desequilibrando o pleito eleitoral para se promover ? afirmou o juiz da Fiscalização.
Em março, os fiscais já tinham encontrado indícios que ligavam João Ricardo a uma ação da Fundação Leão XIII no Vidigal, na Zona Sul do Rio. A equipe recolheu panfletos em que o vereador convida os moradores a participar da ação social. O convite listava os serviços oferecidos de ?Odonto?, ?Oftalmo? e ?Clínica Geral?. No item nomeado de ?Oftalmo?, constava a promessa de ?exame de vista com fornecimento de óculos gratuitos?.
João Ricardo negou qualquer envolvimento com a ação de distribuição de óculos da fundação. Ele disse que sabia que a Fundação faria o evento em Paquetá e que tomou precauções para que não vinculassem sua presença ao ato da entidade.
? Eu estava descaracterizado. Não tinha material e não houve nenhuma ação de divulgação. Nem passei pela praça (onde estavam distribuindo os óculos).
O vereador alegou que é frequentador assíduo da ilha:
? Eu sou o cara que acabou com a charrete de Paquetá. Também apresentei uma lei na Câmara do Rio que disciplinava o uso dos carrinhos elétricos na ilha.
?NEPOTISMO PARLAMENTAR?
Em outra ação, no último dia 5, a fiscalização eleitoral já havia encontrado 56 pares de óculos dentro do comitê de campanha do vereador João Cabral, também do PMDB, em Ramos, na Zona Norte do Rio. Parte das lentes e armações já estavam envelopadas com os nomes dos beneficiários que as receberiam. Havia também listas de eleitores com nome, endereço e telefones. Nesses cadastros, havia a pergunta se a pessoa cadastrada tinha ou não título eleitoral. Além disso, os fiscais encontraram um caderno em que há anotações de que outros pares foram entregues anteriormente na 10ª Região Administrativa. O vereador nega as acusações da equipe de fiscalização.
? O que aconteceu foi que tivemos essas armações de óculos que foram esquecidas aqui no comitê, em Ramos. Uma pessoa veio buscar um material no comitê. Como a quantidade (de material) era grande, deixou aqui alguns óculos, o que não é uma coisa de se jogar fora. A menina (uma funcionária) guardou. Mas, são óculos de criança e com armações muito antigas ? afirma Cabral, que está no quarto mandato.
Segundo Rubioli, a Fundação Leão XIII tem sido usada pelos candidatos para ações de assistencialismo. O juiz se refere a esse tipo de prática como “nepotismo parlamentar”.
? Isso parece ser uma espécie de substituição dos centros sociais. As solicitações dos óculos são feitas por vereadores à fundação, que marca a agenda. No dia da ação, o vereador aparece para capitalizar (votos) ? disse o juiz.
FUNDAÇÃO VAI APURAR FATOS
A Fundação Leão XIII informou que abrirá sindicância interna para apuração dos fatos. Segundo o órgão, caso seja verificada a existência de alguma irregularidade ou identificado o envolvimento de algum funcionário em ato ilícito, este será sumariamente afastado.
Rubioli afirmou que fiscais também foram a uma ação na Praça Seca, no dia 30 de agosto, data em que era feito o cadastramento de quem receberia os óculos na região. Os moradores que participavam do evento, de acordo com o juiz, alegavam que estavam ali por indicação do candidato a vereador Nestor Rocha (PMDB). O GLOBO tentou, por meio do PMDB, entrar em contato com o candidato, mas não conseguiu.
No dia 20 de julho, quando a campanha não tinha começado, os fiscais do TRE-RJ filmaram a entrega de óculos a moradores de Jacarepaguá. Na ocasião, estava presente o candidato a vereador Felipe Michel (PSDB). O juiz da Fiscalização informou que o caso já foi encaminhado ao Ministério Público Eleitoral. Felipe Michel não atendeu as ligações do GLOBO.