Opinião

Coluna Direito da Família: Vidas secas e pratos vazios

Coluna Direito da Família: Vidas secas e pratos vazios

 

Dra. Giovanna Back Franco

Professora universitária, advogada e mestre em Ciências Jurídicas

 

A solidariedade não é apenas se compadecer da dor alheia, isso é compaixão e empatia, podendo haver ou não algum tipo de ação em auxílio. Solidariedade é sensação de pertencimento a uma comunidade, tornando os seus membros interdependentes entre si e formando coesão social. Assim, inerente à solidariedade há a concepção de dever e obrigação. Os indivíduos estão mutuamente relacionados em uma comunidade de responsabilidades, em que o mero respeito ao direito alheio não é suficiente, é necessário ações para promoção e respeito aos direitos dos outros.

Se essa concepção é naturalmente encarada na sociedade como um todo, com mais sentido seria dentro do núcleo da sociedade: a família. Assim, existem relações de direitos e obrigações entre os membros de uma família, calcadas no conceito da solidariedade, que se estende a todos, ainda que externos ao pequeno núcleo familiar. Afinal, a família é o lócus adequado para a garantia da dignidade da pessoa humana, definida pela Constituição Federal. No entanto, não se pode perder de vista que esse lócus não é homogêneo, existem pessoas em maior situação de vulnerabilidade e que, portanto, necessitam de atendimento especial.

Dentre essas obrigações mutuamente consideradas nas relações familiares, há a obrigação alimentar, que pode decorrer das relações de parentesco, do poder familiar ou da constituição de casamento ou união estável. Em qualquer dos casos, o Estado, o Leviatã estabelecido justamente para promoção dos direitos dos seus cidadãos, impõe tal tarefa à família, por imposição legal, em vista do interesse público maior de manutenção da vida em sociedade, sob pena de prisão civil.

Mas o que seriam esses alimentos? Ainda que a lei não defina expressamente o que comporta os alimentos, “não só de pão vive o homem”, devendo abranger não só a comida, mas também vestuário, saúde, educação, lazer e cultura, visto que esses quesitos são compreendidos como mínimo existencial para haver vida com dignidade. Em remissão à Graciliano Ramos, apenas o sustento alimentar levaria tão somente à “vida seca”, em que o Filho Mais Novo e Mais Velho, nutridos tão somente com o pão e não com o amor perdem sua dignidade na medida em que nem nome têm.

Assim, é dever dos pais para com os filhos menores a obrigação alimentar, fundamental não só à subsistência, mas também à manutenção do padrão de vida. Mas também o ex-cônjuge ou convivente tem direito a alimentos, desde que comprovada sua necessidade de subsistência. A mútua assistência, enquanto dever conjugal ou dos conviventes, pode se transmutar em dever alimentar, enquanto perdurar a necessidade.

Mesmo nos casamentos que contenham alguma invalidade, é possível estender a obrigação alimentar até a sentença de anulação ou de nulidade, em nome da manutenção da dignidade desse indivíduo, que em algum momento viveu em comunhão plena de vida com quem presta alimentos. Isso decorre, novamente, da solidariedade, enquanto formadora da identidade dos sujeitos em uma comunidade responsável dentro das relações interpessoais, haja vista que o ser humano é relacional, não ilha deserta.

Tal solidariedade vincula-se com a reciprocidade alimentar, pois as relações são vias de mão dupla, ou seja, é necessário o esforço de todos os envolvidos em prol da dignidade recíproca. Assim, se alguém falta com o seu dever alimentar quando tinha a obrigação de fazê-lo, não poderá exigir quando necessitar, até porque não seria justo. Dessa forma, os pais que abandonam perdem seu direito na velhice, pois família vai além de questões consangüíneas, família é amor e respeito, é cuidado recíproco.