Reportagem: Cláudia Neis
Cascavel – Os preços altos causados pelo aumento na demanda mundial de grãos e pela cotação cambial provocaram um fenômeno quase que inédito: estoques de soja e milho quase zerados e venda antecipada histórica na região do que vai ser colhido no ano que vem.
De acordo com levantamento do Sistema Ocepar (Sindicato e Organização das Cooperativas do Estado do Paraná), os estoques de soja no Paraná e no Brasil estão praticamente zerados. “No País, temos 99% da safra 2019/2020 comercializada e, no Paraná, o percentual é de 98%. Esses são uns dos menores estoques dos últimos anos, são volumes muito baixos. O valor do dólar elevou os preços e o aumento na demanda internacional, especialmente da China, colaborou para a venda e assim ficamos com pouco grão, tendo, inclusive, de trazer dos Estados Unidos”, explica o gerente técnico da Ocepar, Flávio Turra.
Ele ressalta ainda para o alto percentual da safra em curso que já está comercializado. “Da safra 20/21 da soja, já temos 45% comercializado no Paraná. Nunca tivemos um percentual tão grande de safra futura vendida”, afirma, e completa: “O produtor está visualizando o bom preço”.
Aliado ao alto percentual vendido, também está a quebra prevista na safra por conta de fatores climáticos. “Temos que trabalhar também com a quebra, que, por enquanto, está em 5%, devido à estiagem. É um percentual baixo, mas tem seu impacto”, observa Flávio Turra.
Milho
O estoque de milho também está baixo. Uma projeção mostra que até o dia 31 de janeiro haverá 10 milhões de toneladas no Paraná. “O estoque de milho é menor que em anos anteriores e essa projeção de estoque até 31 de janeiro é bem menor que a dos anos anteriores, mas é diferente da soja, por exemplo, porque são duas safras no ano. Agora estamos consumindo a safrinha”, esclarece o gerente técnico da Ocepar.
Mas o fato de ter duas safras não é garantia de produção nem de estoque. “Da safra de milho em curso, já temos 20% comercializada, é um percentual muito alto, pois o normal seria 5% a 10%. E temos que contar com a safrinha também. O Paraná ainda tem maior segurança em relação a Santa Catarina e Rio Grande do Sul, por exemplo, pois, além de abastecer o mercado interno, nós temos excedente de produção. Temos que contar com o sucesso da safrinha para garantir os volumes necessários”, ressalta Flávio.
A quebra estimada para a safra atual de milho, em virtude da estiagem, também é de 5%.
Avicultura
A oscilação na oferta de grãos, especialmente soja e milho, tem impacto direto na produção de proteínas, em especial aves.
Diante da possibilidade da falta dos grãos, que são a base para produção de proteína animal, o Sindiavipar (Sindicato das Indústrias de Produtos Avícolas do Estado do Paraná) organiza ações de curto e médio prazos. “Nós estamos finalizando as tratativas técnicas para a importação de navios de milho dos Estados Unidos para que possamos ter um fôlego nos estoques no início do ano. O governo já viabilizou a compra, tirando a taxação, e, agora, o que estamos finalizando é a questão da garantia de que não venham grãos geneticamente modificados nessa compra. Acredito que já em janeiro devemos ter navios chegando aqui com milho. A curtíssimo prazo, a disponibilidade de soja ainda é boa, o problema é o milho, que, além do preço, tem disponibilidade muito limitada e essa importação vai trazer uma tranquilidade para o setor”, explica o vice-presidente do Sindiavipar, José Antonio Ribas Júnior.
Já pensando nos meses seguintes, o sindicato discute um aumento no cultivo de cereais de inverno que podem ser alternativas ao milho na produção de ração. “Temos avançado na discussão de incentivar o plantio de cereais de inverno e que podem substituir o milho: trigo, aveia e triticale. No Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, essa ideia já está bem avançada com acordos entre o setor privado e público e, no Paraná, vamos começar as reuniões na próxima semana. Queremos oferecer aos produtores, por meio de cooperativas também, uma pareceria para produção desses grãos. Esses cereais já eram produzidos em maiores volumes, mas foram diminuindo ao longo dos anos por falta de atratividade. Nossa meta é buscar o aumento de 30% das áreas cultivadas hoje, então vamos colocar todas as cartas na mesa e discutir a melhor forma de viabilizar isso”, adianta Ribas Júnior.
Segundo ele, os avicultores têm desacelerado a produção diante do alto preço dos grãos, em um trabalho mais conservador para o setor.
Vai faltar grãos?
Diante do cenário já descrito, o gerente prevê que os preços praticados em 2020 se mantenham, ou sofram baixas não tão significativas, dependendo da variação do dólar, mas alerta produtores de proteína animal para possível falta de grãos. “Vai ser um ano que o consumidor de milho, tanto para produção de proteína e até mesmo a indústria, tem que estar muito atento à oferta. Quem sabe fazer estoque próprio para não deixar o estoque reduzir muito na região e pagar mais caro, ou mesmo ter que importar. Fato é que deve haver uma oferta escassa de milho e também de soja para o mercado interno”, ressalta Flávio Turra.
Ele observa ainda que a importação de carga de soja, registrada no Estado, é um acontecimento raro e que custou mais caro do que no mercado interno, mesmo com a suspensão do pagamento da taxa de importação, que está válida até o fim de janeiro, quando começa a colheita no País.
Flávio alerta para situações extremas, com variação muito alta ou muito baixa do dólar, quando os cenários podem se agravar. “Se a taxa de câmbio subir mais, a tendência é de que haja aceleração nas exportações e assim vai embora o produto que está na região para ser consumido. Caso ocorra o contrário e baixe muito, pode haver retração na exportação e a maior oferta interna pode refletir até em uma baixa dos derivados”.