Opinião

Redes sociais e controle: será que Huxley está no Facebook?

Opinião de Ricardo Ruthes

Na década de 30, o mundo passava por um momento caótico em alguns aspectos. A Primeira Guerra Mundial tinha acabado havia pouco mais de dez anos e o planeta já se preparava para a Segunda Guerra, que começou em 1939. A Alemanha se recuperava da crise enquanto Hitler ascendia ao poder e os Estados Unidos se recuperava da pior recessão econômica vivida em sua história.

Nesse meio tempo, o mundo foi presenteado a uma das maiores distopias da história da literatura, a obra “Admirável Mundo Novo”, de Adous Huxley, publicada em 1932. No romance, somos apresentados a um futuro, vivenciado no ano 2540, ou ano 632 depois de Ford, segundo o texto, no qual a civilização experimenta a era da supremacia da ciência, onde o prazer e a felicidade são a promessa de um governo centralizador. Para garantir esse fim, o governo divide a sociedade em castas definidas biologicamente, antes do nascimento, onde cada indivíduo é condicionado por estímulos, denominado pelo autor como hipnopedia, a agir de uma determinada forma e, assim, assumir seu papel social pré-definido pelo sistema.

Exatos 42 anos após a publicação da obra de Huxley, o psicólogo Skinner publicou o texto “Sobre o Behaviorismo”, no qual são apresentados os mecanismos pela qual é possível cultivar, manipular e controlar comportamentos no ser humano. Segundo ele, isso é possível por meio de estímulos positivos e negativos, na qual um dado comportamento, que receba estímulos reforçadores, tenderá a se repetir mais vezes. Esses estudos demonstram como a distopia de Huxley, um dia, poderia constituir-se na prática.

Já em 2004, trinta anos após o a publicação da obra de Skinner e 72 anos após a publicação de “Admirável Mundo Novo”, Mark Zuckerberg lança o Facebook, rede social que tem por finalidade unir pessoas e permitir disseminação de informações. Esse serviço se caracteriza por seu pioneirismo e inovação ao explorar a curiosidade humana e o desejo de exposição, na qual pessoas apresentam ao público facetas de suas vidas e, em troca, recebem feedbacks instantâneos, em forma de curtidas e comentários, que operam como reforçadores destes comportamentos.

O pesquisador norte-americano Jaron Lanier, autor de “Dez Argumentos para Você Deletar Suas Redes Sociais Agora” e “Gadget: Você não é um aplicativo”, destaca que a inovação de Zuckerberg tem, devido a esse alto fluxo de feedbacks reforçadores de comportamento, uma forte capacidade de manipular seus usuários, levando-os a esboçar dados comportamentos pré-selecionados, tais quais: apoiar dado candidato em eleições, impulsionar dadas atitudes e comprar dados produtos.

Para entendermos como esse fluxo de feedback pode modificar o comportamento humano, podemos pensar no exemplo: um dado usuário publica em sua rede social uma foto, outros usuários visualizam a imagem e emitem um feedback através de curtidas e comentários, o usuário que recebe o feedback se sente bem com isso, fazendo com que tenha a tendência de postar mais vezes, tão logo, o algoritmo (sistema) que opera a rede social passa a ter a capacidade de influenciar diretamente a ação do usuário.

Se todos os usuários do Facebook fossem pessoas reais, talvez não teríamos problemas com a manipulação do comportamento, mas uma parte considerável das redes é dominada por robôs, que emitem feedbacks e compartilham informações com a finalidade de moldar comportamentos, tal qual ficou evidente no caso da Cambridge Analytica e nas eleições nos EUA em 2018. A pergunta que nos fica é: será que a distopia de Huxley está tão distante de nossos dias? Será o controle do comportamento humano um caminho para alcançarmos o bem-estar? Será que Huxley está no Facebook?

Ricardo Ruthes é coordenador do Programa de Iniciação Científica e do Grupo de Pesquisa do Isae Escola de Negócios