O noticiário brasileiro, depois do massacre de Suzano, tenta estabelecer o que se passou na cabeça do assassino para comentar essa monstruosidade com os estudantes. Por todos os canais abertos e fechados, pululam especialistas em tudo. Psicólogos, psiquiatras, psicanalistas religiosos, policiais e os “analistas de tudo” tentam emplacar uma explicação.
O máximo da violência moderna é o terrorismo, que ainda tem um sentido político. Mas a pós-moderna não tem sentido nem político nem psicológico. É um ato de ruptura, de um nonsense absoluto, uma explosão cega. É um “sair de si”, na linguagem da psicanálise.
Na recente escalada de crimes cometidos no Brasil, nenhum massacre foi mais grave e sangrento do que o da Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo, na zona oeste do Rio de Janeiro, e agora em Suzano (SP), em uma escola estadual. Pela extensão, o espetáculo macabro avançou um patamar no rol de explosões periódicas de insanidade. Volta e meia, malucos saem atirando contra multidões. Movidos por convicções obscuras.
Professores e colegas também não aquilataram o perigo, mas para isso pode haver uma explicação. No ambiente ferozmente competitivo das escolas públicas e particulares, os alunos são virtualmente forçados a se agrupar de acordo com seu prestígio e seus talentos. No topo do microcosmo estão os atletas, os bons alunos com vaga garantida na universidade e as garotas bonitas.
Alguma coisa muito errada, maligna, se esconde nas entranhas da sociedade brasileira. Quando vem à tona, todo o mundo se pergunta como é possível que horrores assim ocorram num país como o Brasil.
Aceitar que a violência possa ser naturalizada é uma tentativa de diluir o terror que ela provoca, de se submeter aos seus efeitos, e de não se implicar com as possibilidades, mesmo pequenas, de sua transformação.
Aceitar que a violência possa ser banalizada e naturalizada é uma tentativa de diluir o seu impacto, seu terror; de se evadir de seus efeitos, de não se implicar com a existência de suas manifestações e com as possibilidades, por pequenas que sejam, de sua transformação. Esta banalização da violência é, talvez, um dos aliados mais fortes de sua perpetuação.
A virulência deste hábito mental é tão daninha e potente que quem quer que se insurja contra este preconceito arrisca-se a ser estigmatizado de “idealista”, “otimista ingênuo” ou “bobo alegre”.
Que a violência aterrorize e que diante de uma cena assim todos pareçam dizer: “já que não é comigo não vou me meter”, que a solidariedade desapareça por um risco de se expor a própria vida, a isso já nos acostumamos.
Adolescentes ou adultos desequilibrados, malucos com manias conspiratórias e outras anomalias não são, obviamente, exclusividade americana. Não se encontra em outros países, contudo, nada similar em termos de explosão gratuita de violência assassina.
Como sobrevivemos nós a um cotidiano tão ameaçador para a vida? Que custo isso nos traz? Esses que morrem nas ruas, nas chacinas, nos assaltos, não são nossos parceiros de guerra?
A agressão física cedeu espaço ao trabalho de convencimento verbal do educador em relação aos seus alunos. Chegou o momento de compreender que é preciso dar tratamento de choque à nossa educação. Agora, no entanto, parece que há uma crise na ciência do comportamento nas escolas brasileiras – chegam notícias de uma violência inaudita contra professores em sala de aula ou fora dela, sobretudo as de ensino médio.
O previsível, porém, é que gente muito desajustada no Brasil e sempre consegue acesso desimpedido às armas de fogo. Prefiro fazer uma previsão tristemente óbvia: “Há um grande número de outros garotos por aí que estão acumulando ressentimentos dentro de si, e fora do nosso alcance”. Ou seja: vai acontecer de novo.
A educação é o caminho, antes que o País afunde na ignorância, violência e miséria. Educação máxima.
Opinião de Nelson Valente
Nelson Valente é professor universitário, jornalista e escritor