Nas reflexões anteriores, tratamos da situação em que os filhos passam a dar em vez de tomar dos pais. Analisamos a partir de quando isso pode configurar uma inversão de ordem e quando não é o caso. Ocupamo-nos longamente em mostrar que existe uma ordem de precedência segundo a qual aquele que vem depois deve tomar daquele que veio antes, e não o contrário.
Hoje queremos tratar da situação em que os pais compartilham intimidades com os filhos, e o mesmo vale de avós com netos. Essa situação é mais comum hoje em dia, porque os pais tendem a estabelecer com os filhos uma relação de amizade e, com isso, ferem a ordem, porque, entre amigos, a relação é necessariamente de igualdade, mas não o é entre pais e filhos.
Não queremos dizer com isso que os pais não devam relacionar-se bem com seus filhos, tornarem-se próximos e íntimos deles. Nosso alerta se dirige a um costume cada vez mais comum nas famílias atuais de os pais entenderem seu papel em relação aos filhos como de “amigo”. Amigos nós os formamos, cultivamos, abandonamos, e criamos novos. Filhos e pais são impossíveis de serem criados. O somos por natureza. Isso faz toda diferença. Na relação de amizade as duas pessoas chegam ao mesmo tempo. Por isso são iguais entre si. Um não tem um direito em relação ao outro que este também não tenha. Entre pais e filhos é diferente: os pais vieram antes dos filhos e, por isso, têm direitos em relação a eles que estes não têm em relação aos pais.
Assim, quando os pais compartilham intimidades com os filhos, por exemplo, quando uma mãe se queixa ao filho ou à filha em relação ao marido, às vezes ao ponto de falar das suas dificuldades sexuais, o filho acaba se punindo com uma informação que não lhe pertence. A mesma coisa acontece quando, por exemplo, um filho assume a posição de substituir para a mãe o marido ausente (porque morreu ou porque se separou): ele se pune, porque também é fiel ao pai. Quando os pais tratam os filhos dessa maneira fazem com que eles se sintam “grandes” em vez de se sentirem crianças.
Nessas situações, Hellinger aconselha que se faça o que designou “esquecimento espiritual”: “Um filho não deve imiscuir-se num assunto que diga respeito aos pais. Seja qual for a felicidade ou infelicidade que aconteça entre eles, o filho não deve saber disso. […] Se sua mãe lhe disse isso, então você precisa esquecer. […] É uma disciplina espiritual. E possível exercitar o esquecimento na medida em que interiormente nos retraímos. De repente, aquilo desaparece. Aí você deixa os pais nesse conflito, olha com amor para eles e toma de ambos o que lhe deram” (Hellinger, B. Ordens do Amor, p. 195-96). Diante dos pais o filho se sente psicologicamente sempre pequeno, mesmo depois de adulto. Por isso, seria errado dizer: “agora que eu cresci estou no mesmo nível de meus pais”. Por esse motivo, nem depois de adulto é aconselhável que pais compartilhem intimidades com seus filhos.
O esclarecimento desse ponto nos possibilita abordar o ponto que trataremos na próxima postagem: o que os filhos não devem tomar dos pais. Vamos distinguir este tema em dois grandes grupos: aquilo que os pais alcançaram por mérito próprio e aquilo que os pais carregam na forma de destino.
JOSÉ LUIZ AMES E ROSANA MARCELINO são terapeutas sistêmicos e conduzem a Amparar.
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