Nos trabalhos iniciais, quando perguntado se um aborto espontâneo fazia parte do sistema familiar, a resposta de Hellinger costumava ser esta: “Os abortos espontâneos não pertencem ao sistema. Muito raras vezes são de importância para uma relação de casal. É preciso aceitá-los como um destino, sem buscar as culpas pessoais” (Hellinger, B. Felicidad Dual, p. 160).
Ao longo do tempo, em virtude daquilo que foi observando no campo sistêmico das Constelações, ele mudou sua posição inicial. E descreveu deste modo o processo: “No início dos trabalhos de Constelação Familiar, ainda assumia que os filhos abortados não pertenciam ao sistema como um todo, mas ao relacionamento íntimo e, portanto, secreto dos pais. Por isso, na época, supunha que não se deveria falar aos filhos sobre um aborto. No desenvolvimento das Constelações Familiares rumo à nova Constelação Familiar, devo reconhecer especialmente à minha segunda esposa, Sophie, o mérito de haver descoberto que as crianças abortadas também devem fazer parte do sistema familiar” (Hellinger, B. Mein Leben. Mein Werk, 2018).
Uma vez que também o aborto espontâneo afeta o sistema familiar, em que consiste seu principal impacto? Primeiramente, afeta a Lei do Pertencimento: todos os membros de uma família têm assegurado o seu pertencimento ao sistema. Uma criança abortada, pouco importa com qual idade, tem direito a pertencer do mesmo modo que qualquer outro filho nascido. Quando esse direito não é reconhecido e ela é excluída do sistema, provoca as consequências que toda exclusão ocasiona.
É importante acrescentar que, no caso de abortos involuntários, a exclusão acontece muitas vezes pelo simples desconhecimento de haver existido um aborto. Muitas vezes, a mulher “descobre” que teve um ou mais abortos apenas durante uma Constelação Familiar. E esta descoberta em geral acontece ao colocar questões aparentemente não relacionadas com abortos.
Em segundo lugar, afeta a Lei da Ordem de Precedência. Em seu último livro publicado em vida, Hellinger escreve: “Como os filhos abortados são membros plenos do sistema familiar, os filhos vivos precisam saber deles. Com efeito, nas Constelações Familiares, se mostrou que os filhos abortados contam como irmãos plenos. Se eles forem guardados em segredo, ocorre uma violação da ordem de precedência – com as graves consequências bem conhecidas” (Hellinger, B. Mein Leben. Mein Werk, 2018).
A Lei da Ordem de colocação mostra que cada membro do sistema familiar ocupa a posição determinada pela ordem de chegada. Quando um abortado é silenciado, outro filho assume o lugar dele. Isso tende a sobrecarregá-lo com responsabilidades que não são dele. Sobre essas consequências de violação de ordem, trataremos na próxima postagem.
JOSÉ LUIZ AMES E ROSANA MARCELINO são terapeutas sistêmicos e conduzem a Amparar.
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