Opinião

Coluna Direito da Família: GESTAUTORIA: NOMEAR PARA EXISTIR

Cascavel e Paraná - Nomear é um ato de existência/resistência e, portanto, um ato de coragem, como diria Guimarães Rosa, literato brasileiro, em Grande Sertão Veredas. Aliás, a tessitura da linguagem com ambivalência, para extrapolar os limites daquela, era a maestria do autor. Uma experiência que decorre da necessidade de existir de outro jeito no mundo, pensando na linguagem jurídica que, em verdade, não foi feita para todos.

Há experiências humanas que escapam às palavras tradicionais e dependem de torção linguística, e daí seria possível caminhar pelos termos da “sozinhez compartilhada”, para as atividades exclusivas de cuidado por um dos genitores, ou “remendo de sobrevivência”, para os valores alimentícios comumente garantidos judicialmente, ou, ainda, “gestautoria” para nomear a escuta da mãe para instauração do procedimento de reconhecimento de paternidade.

No projeto do novo código civil, há quem defenda o giro epistêmico e político de nomear um novo lugar de autoridade que, potencialmente, poderia atribuir a paternidade, independente do reconhecimento expresso do genitor ou através de via judicial. Bastaria a alegação da mãe em cartório, no ato do registro.

Contudo, a palavra da mãe não cria o vínculo, apenas é o gatilho das engrenagens jurídicas de presunção, reconhecimento ou investigação de paternidade. No caso de casamento ou união estável entre os genitores, a filiação é presumida e, dada a possibilidade (desde 2015) de registro do menor pela mãe, haverá o registro nesses casos pela presunção. Não havendo a conjugalidade entre os genitores, a palavra da mãe será importante para instauração de um procedimento administrativo de averiguação, o qual permite o reconhecimento voluntário pelo genitor (e consequente assento) ou o processo de investigação de paternidade, intermediado pelo Ministério Público.

Exame de DNA e Presunção de Paternidade

Neste último caso, a recusa em submeter-se ao exame de DNA (ainda que dos parentes consanguíneos, em caso de falecimento do genitor) induz à presunção de paternidade – o que não é um entendimento novo, já que a Súmula do Superior Tribunal de Justiça trata disso desde 2004. Não é a lógica de que “quem foge se denuncia”, mas a prioridade do direito do menor sobre sua verdade biológica quando em colisão com direitos do genitor, como a integridade física para a não realização do exame.

Não se pode dizer que seja inovador o texto do projeto do Novo Código Civil, porque, em verdade, reúne normas esparsas já consolidadas. Trata, pois, da reafirmação de princípios sedimentados, com o reconhecimento, ainda que tardio, da palavra da mãe para a instauração da justiça parental. Ainda que não funde o vínculo, ela funda o processo – enquanto gesto de reparação simbólica.

Abertura Simbólica e Justiça Parental

Não se pode, portanto, acreditar que seja a imposição da palavra da mãe enquanto verdade (absoluta), especialmente em um sistema que tanto a silenciou e ainda silencia, porque a desqualifica como emocional ou vingativa. Apenas, mantém uma abertura simbólica para o reconhecimento da autoridade materna suficiente para dar início à justiça parental. Até porque, ainda se exige dela o peso de mover o sistema (apesar do descrédito ou da desconfiança) para garantir a prioridade do direito do menor.

Dra. Giovanna Back Franco

Professora universitária, advogada e doutoranda em Direito