O CUSTO DO (NÃO) AMOR INCONDICIONAL

Cascavel e Paraná - O mito do amor de Elisabeth Badinter, filósofa francesa do século XX, era materno e não paterno, porque a devoção do cuidado aos filhos enquanto apelo moral se direcionou à mulher, a partir do século XVIII. Não houve bandeiras hasteadas sobre o amor que não se exige, mas o consenso sobre a necessidade de infalibilidade da mãe, sob pena de culpa. Fato é que também não se estendeu a todas as mulheres: a algumas não houve o direito ao maternar – algumas maternidades são legítimas e juridicamente protegidas, outras nem tanto.

A maternidade passou a andar de braços dados com a moralidade e com a determinação da subjetivação dos papeis sociais. Assim, a gestão pública de alguns interesses privados foi bem quista, na conformação do sujeito moderno em um conjunto de valores específicos, pela imposição de uma moralidade específica. Enquanto direitos reprodutivos não podem estar na pauta do dia (salvo para eliminá-los), a responsabilidade do cuidado parental ainda é maternal, porque sinônimo de feminilidade.

No entanto, tal função parental não sofre a mesma pressão social a depender do papel de gênero: há quem não precise desempenhá-la plenamente sem qualquer punição. Na sociedade do fast food e de relações efêmeras, incrementa-se a noção de faculdade no que diz respeito à paternidade (que se conjuga com a maternidade socialmente compulsória) e, nesse sentido, soa absurdo para alguns cobrar o cuidado afetivo enquanto dever legal e sua ausência, enquanto ilícito civil. Aqui a gestão pública dos interesses privados não é bem-vinda. Essa inovação está na lei 15.240/2025, recém-saída do forno, que altera o Estatuto da Criança e do Adolescente para tratar sobre abandono afetivo.

Para essa nova legislação, é obrigação dos pais (independentemente de gênero) o zelo pelos direitos do menor, incluída a assistência afetiva exercida através do convívio, mas especialmente pelo acompanhamento da formação e do desenvolvimento – não cabe mais apenas a parentalidade instagramável. A presença física é requisito, mas é expressa a ressalva em relação ao interesse da criança e do adolescente (o menor não deve ser forçado ao contato com o genitor) e a inexistência de situação de risco nessa convivência.

 Não é uma nova moeda de embate em relação à alienação parental, mas a previsão legal de algo que já estava sedimentado nos tribunais: a possibilidade de indenização moral por abandono afetivo. O que não diz respeito ao pagamento pelo afeto (similar ao amor devocional e compulsório materno), mas ao cumprimento de uma obrigação legal decorrente do vínculo parental. Afinal, a responsabilidade emocional é fundamental para o pleno desenvolvimento do menor, incluindo atenção, limites, convivência e cuidado; visitar, portanto, é apenas a ponta do iceberg.

Como diria a ministra Nancy Andrighi: amar é faculdade, mas cuidar é dever. Porém, muitas questões ainda engatinham: como garantir o melhor interesse do menor e não permitir esse fundamento para visitas forçadas? Como desmistificar a correlação da alienação parental com o abandono afetivo? Como mensurar o quantum devido, com quais bases de cálculo? Ainda, como dar cumprimento a uma eventual indenização, diante da epidemia de miserabilidade na determinação de valores basilares à manutenção dos menores, mesmo com a permanência da prisão civil por dívida pelo seu não cumprimento… O dever não se terceiriza, não se adia e não se abandona. Não há indenização por falta de amor, mas responsabilidade civil por omissão parental.

Dra. Giovanna Back Franco

Professora universitária, advogada e doutoranda em Direito