Opinião

Amor em três

Pode a rede de apoio de um núcleo familiar se tornar o reduto para descansar a alma em frente ao mar das dificuldades diárias. Tecida na trama dos relacionamentos íntimos, ela sustenta a tranquilidade, trazendo a leveza do amor. Sim, o amor deve ser leve. Mas, enganam-se os que pensam que este não pode balançar as estruturas, especialmente da família dita tradicional. Como um menino sapeca, pode se travestir das mais variadas fantasias, como se todo dia fosse Carnaval.

O Direito tem o papel de reconhecer a realidade social e garantir os direitos dos indivíduos, independente de seus credos, desde que possam ser conciliados com a dignidade humana. Assim foi o caminho do reconhecimento da união estável. Por muito tempo, era tido como um relacionamento ilegítimo e os companheiros ficavam à deriva quando buscavam seus direitos: a lei pouco lhes garantia, pois o contrato conjugal que valia era apenas o do casamento.

Assim também foi o árduo trajeto para o reconhecimento da família homoafetiva, primeiramente como união estável e depois como casamento. Ou seja, o Direito não cria a realidade, apenas a reconhece e lhe garante status jurídico. O que não acontece tão rápido assim, pois o acolhimento pelo Direito se dá pela instituição de uma lei ou pelo reiterado entendimento dos Tribunais em um determinado sentido. Em qualquer dos casos, o trâmite é demorado e alguns direitos permanecem sem abrigo, sentados à sarjeta, relegados à própria sorte.

Atualmente, o embate se dá pela composição familiar poliafetiva, em que três pessoas escolhem o amor mútuo em forma de família. Não há reconhecimento da legislação para o chamado “trisal”, e é importante frisar que não se trata do clássico triângulo amoroso em que há a figura do amante, mas sim uma relação triangularizada no consentimento. Os amantes não recebem tutela jurídica, mas os trisais buscam o reconhecimento do seu jeito peculiar de amar.

Existe resistência da sociedade e também do Direito, o que dificulta o registro desse relacionamento, bem como a transmissão de bens em vida ou após a morte. O próprio Conselho Nacional de Justiça impede o reconhecimento das uniões poliafetivas via extrajudicial, isto é, em cartório. Não que seja proibido tal relacionamento, mas ainda não conta com amparo jurídico pleno.

Quanto à união estável do trisal, já existe entendimento sobre a possibilidade, desde que cumpridos os requisitos de publicidade, continuidade, afetividade e o objetivo de constituição familiar. Quanto ao casamento, porém, não se vislumbra sua salvaguarda, visto que ainda vige o sistema monogâmico. No entanto, o Direito não é estático, mas permeável às modificações sociais e às transformações nas tramas das redes de relacionamento.

Dra. Giovanna Back Franco – Professora universitária, advogada e mestre em Ciências Jurídicas