Opinião

Quem controla a agenda anticorrupção do País?

Opinião de Yuri Sahione

A Operação Lava-Jato voltou a causar preocupação na pauta política do País nos últimos dias. Não pela nova possibilidade de prisão do ex-presidente Michel Temer, mas pelo desgaste a olhos vistos do relacionamento entre o Ministério da Justiça e a Câmara dos Deputados.

Se de um lado o governo, os analistas e o mercado acenderam o sinal amarelo com relação às consequências que a crise de relacionamento político traria para a recém-apresentada reforma da Previdência – prioridade da pauta econômica -, de outro, muitos vislumbraram o enterro político do Projeto de Lei Anticrime do Ministro da Justiça.

Com o esvaziamento das prisões decretadas, a aparente retomada do diálogo político indicou que aqueles dias não passaram de “chuvas de verão”, nas palavras do presidente da República, abrindo espaço não apenas para o avanço da reforma da previdência, mas também do Projeto Anticrime.

Afora o fato de que a maioria dos especialistas condenou o Projeto de Lei Anticrime na sua quase totalidade, o que deve ser refletido em emendas e alongamento dos debates nas Casas Legislativas, para muitos o possível enterro da inicial do ministro da Justiça poderia significar uma grande derrota da agenda anticorrupção do Governo Bolsonaro.

Muito já foi dito que o projeto do ministro Sérgio Moro tem maior foco na segurança pública e no processo penal do que no enfrentamento da corrupção e do mal contra o erário. Não obstante, a confusão entre a cria e seu criador, publicamente reconhecido como uma figura emblemática no combate à corrupção, acabou por causar a falsa impressão de que o insucesso da iniciativa legislativa atrasaria o avanço da agenda anticorrupção do País.

A Câmara dos Deputados não é dependente do Poder Executivo para modernizar o Estado e aprimorar a legislação de combate à corrupção. Desde a legislatura passada, também sob a presidência do deputado Rodrigo Maia, a Câmara constituiu a Comissão Especial de Modernização da Lei de Licitações e a comissão de juristas incumbida de elaborar propostas de aperfeiçoamento da Gestão Governamental e do Sistema de Controle da Administração Pública.

Em termos de legislação anticorrupção é possível destacar a proposta que prevê como sanção passível de aplicação para as empresas que incorrerem em atos lesivos previstos na Lei Anticorrupção a venda compulsória do controle acionário no prazo máximo de dois anos.

Quanto aos aspectos de prevenção à corrupção, na proposta de reforma da legislação sobre licitações e contratos administrativos são encontradas propostas que tornam facultativa a exigência de que empresas que participem de grandes licitações tenham, obrigatoriamente, o programa de integridade de que trata a Lei Anticorrupção. No mesmo sentido, se propõe estabelecer a obrigatoriedade de aperfeiçoamento do programa de integridade e dos controles internos como sanção contratual, impondo mais dinamismo à gestão de riscos pelas empresas.

Afora o aspecto repressivo das proposições legislativas, as comissões especiais da Câmara produziram farto material para buscar modernização do Estado e gerar mais eficiência governamental como a exigência de mais qualificação técnica e critérios de seleção mais apurados para candidatos a dirigentes de agências reguladoras e a proposição da prestação de serviços públicos pela via digital, em consonância com as tecnologias mais usuais.

Buscar mais segurança na atuação das agências reguladoras, dificultando o apadrinhamento político como critério singular de indicação de dirigentes e eliminar burocracias desnecessárias pelo uso de tecnologias incorporadas na vida do cidadão, são fórmulas reconhecidas de evitar a prática de corrupção e outros crimes contra o funcionamento do Estado.

Há que se relembrar que também tramitam na Câmara as novas medidas contra a corrupção da Transparência Internacional, que consistem em 84 proposições que buscam aprimorar legislações de várias naturezas que impactam de forma direta ou indireta para evitar atos criminosos contra o Estado.

A constatação de que a Câmara dos Deputados possui um vasto repertório de proposições que podem ajudar o País a avançar dá tranquilidade para, em tempos de crise política, a população poder ter consciência de que as importantes agendas do país não precisam parar.

Yuri Sahione é advogado, especializado em Direito Penal, presidente da Comissão de Compliance do Conselho Federal da OAB