Opinião

OPINIÃO: Educação: Não adianta colocar ingredientes certos na receita errada

O drama do analfabetismo. No mundo inteiro, o Brasil ocupa uma das posições mais negativas em matéria de analfabetismo. Se uma criança não possui o gosto pela leitura na infância, na adolescência ou na fase adulta as coisas se tornarão difíceis. Criar o hábito (ou gosto) pela leitura é um primeiro passo que depende basicamente de pais e professores.

Veja hoje o caso dos ciclos. Professores e professoras que há décadas têm na reprovação seu principal recurso de disciplina foram, de uma hora para outra, proibidos de usá-la. Mesmo com a proibição e à margem do Currículo Escolar, avós, pais, parentes, amigos e professores indicam a cartilha “Caminho Suave” na alfabetização de seus entes queridos.

Nos últimos tempos, surgiu uma estranha doença entre nossos jovens: déficit de escrita. Aos poucos, o hábito foi sendo superado e, para muitos, o exercício da caligrafia era a comprovação da obsolescência dos nossos métodos. Nada mais triste do que essa falsa visão de modernidade, hoje agravada pela fúria do acesso aos computadores de qualquer maneira. Ocorreu-nos proclamar da volta da caligrafia às nossas escolas. Nos bons tempos, ela era praticamente obrigatória, com os educandos levados a preencher as linhas paralelas com letras, sílabas e palavras que, como consequência, nos traziam o conforto de uma adequada expressão escrita.

As evidências são gritantes: além da eficiência para resolver problemas do cotidiano, a memorização da tabuada é essencial para fazer cálculos mentais, a memorização e para servir de base para às aprendizagens subsequentes.

Portanto fique de olho: se a escola de seu filho não ensina tabuada, cuide para que ele aprenda. Quanto antes, melhor! Hoje, o único punido no sistema de ensino brasileiro é o aluno reprovado. Isso é covardia. Nada acontece com professor, diretor, secretário de Educação, prefeito ou governador quando eles falham. É preciso ter um programa de ensino: afinal, se você não sabe o que ensinar, como vai saber o que avaliar?

Porque no Brasil o que importa é acessório. O legal é colocar xadrez na escola, é ensinar teatro. O brasileiro vai à Finlândia e acha que o sucesso da educação daquele país se deve ao fato de que as paredes das escolas são pintadas de rosa.

Não conheço uma Secretaria de Educação no Brasil que tenha um especialista em demografia, que saiba quantas crianças vão nascer nos próximos anos e, portanto, quantas escolas precisam ser abertas ou fechadas.

Quando a tecnologia está atrelada ao professor, ele, o ser humano, vai ser sempre o fator limitante. Nenhum país conseguiu melhorar a educação a partir do uso da tecnologia. Não estou dizendo que a tecnologia seja ruim. Ela tem potencial, desde que seja usada no contexto apropriado. Não adianta colocar ingredientes certos na receita errada.

A escola é um desastre quando analisada pela óptica das avaliações internacionais e um desastre também do ponto de vista pessoal, individual. A única chance que um cidadão tem de melhorar de vida no Brasil é por meio da educação de qualidade. E ela não tem qualidade para a maioria das pessoas. O número de jovens que chegam ao ensino médio é baixíssimo e, entre estes, a evasão é uma calamidade. E o governo é incapaz de entender que há um modelo errado ali, que penaliza jovens justamente quando eles atravessam uma fase de afirmação.

As escolas têm um punhado de papéis reunidos sob o nome de “proposta político-pedagógica”, seja lá o que isso queira dizer: começa com uma frase do Paulo Freire e termina citando Rubem Alves.

O problema é que as escolas e as secretarias de Educação estão povoadas de pedagogos, e não de gestores.

O Enem foi criado como ferramenta de avaliação e aprimoramento do ensino médio. O Enem nasceu com um formato, mas se transformou em outra coisa.

Ele nasceu para ser uma prova de avaliação das competências dos jovens, mas não deu certo. Em seguida, tentou-se vender a ideia de que é uma prova seletiva, um vestibular barato. E ficamos com esse troço que ninguém sabe o que é. O Enem não tem a menor importância. A ideia de ter uma forma simplificada de ingresso à universidade é bem-vinda, mas isso não serve para todos os estudantes do ensino médio.

Trata-se de um modelo cansado, velho, que se prestou também para enriquecer muitos falsos educadores com a proliferação dos condenáveis cursinhos. Mas é preciso trocar de modelo por algo que venha efetivamente a funcionar, sendo notável a ideia de valorizar a educação média.

Os exames parcelados, a cada ano, somando resultados para uma avaliação final nos parece o que de melhor foi sugerido, dividindo com mais inteligência o esforço dos alunos, além de obrigar as escolas a uma distribuição mais adequada da carga de conhecimentos a ser exigida dos que a ela têm acesso. O assunto é muito rico, instigante, e ainda será objeto de muita discussão pelas "autoridades educacionais" do País.

Ninguém vê o óbvio: a pirâmide está invertida. A maior prova disso é o abandono da primeira infância. É nela que o Brasil começa, e seu abandono é a maior das ameaças à pirâmide invertida que caracteriza nosso País.

Mesmo a educação é um exemplo do desequilíbrio da pirâmide invertida. O Brasil dá mais ênfase ao topo, o ensino superior, do que à base, o ensino fundamental. O resultado é outra manifestação de instabilidade: a qualidade do ensino superior vem sendo puxada para baixo por causa da má qualidade do ensino médio; e este também vem perdendo qualidade por causa da piora no ensino fundamental.

No ensino público: faltam 400 mil professores no ensino básico (fundamental e médio) no País. A maior carência é para as disciplinas de matemática, química, física e biologia. Há escolas que nem as têm na grade.

Vivemos um modelo de ensino superior e nas principais universidades do país que é o mesmo desde 1968 (Lei 5540/68), quando foi aprovada a Reforma Universitária. Valorizou a departamentalização e acenou com uma série de outras medidas, todas elas tornando por base a educação norte-americana ou que se pratica na Alemanha. Uma estrutura pesadíssima, ultrapassada e decadente.

Se queremos projetar a universidade brasileira para os próximos 30 anos, viveremos uma outra época, de incríveis conquistas científicas e tecnológicas, alimentadas pelo uso de computador e da internet, e, é claro, que a indústria do conhecimento, representada pelos nossos pesquisadores, não poderá concorrer com os produtos de outras nações se não estivermos devidamente apetrechados, inclusive do ponto de vista dos recursos humanos qualificados.

Nelson Valente é professor universitário, jornalista e escritor

Ninguém vê o óbvio: a pirâmide está invertida. A maior prova disso é o abandono da primeira infância