Opinião

Aborto induzido: culpa e expiação

O aborto induzido é um ato de consequências bem mais graves que o aborto espontâneo

Pregnancy and abortion. The paper-cut silhouette of an embryo in the doctors female hands
Pregnancy and abortion. The paper-cut silhouette of an embryo in the doctors female hands

O aborto induzido é um ato de consequências bem mais graves que o aborto espontâneo. Vimos que, segundo Hellinger, o aborto espontâneo deve ser visto como um “destino” que é preciso aceitar sem buscar pela culpa ou pelo culpado. Já no caso dos abortos induzidos, a questão é bem outra! Hellinger faz uma declaração duríssima acerca do assunto: “No sistema familiar, ao nível subconsciente da consciência, o aborto [induzido] é percebido como um assassinato” (Hellinger, B. Mein Leben. Mein Werk, 2018).

Ele próprio esclarece na sequência que essa declaração nada tem a ver com juízos morais, religiosos ou jurídico-legais: “Sou totalmente livre [em relação a esta questão] e olho apenas para o que se mostra e constitui a realidade, trabalhando de modo puramente fenomenológico e empírico” (Hellinger, B. Mein Leben. Mein Werk, 2018). Trata-se, portanto, do modo como o aborto é experienciado ao nível subconsciente da consciência. Uma vez que a consciência – em seu nível subconsciente – sente o ato como assassinato, decorre disso a culpa e a busca de expiação. Vamos examinar isso mais detidamente.

Um esclarecimento terminológico: Hellinger fala de “assassinato”, não de “crime”. Como ele explicou na passagem transcrita acima, ele se utiliza da linguagem fenomenológica, descritiva. Por esse motivo, o aborto induzido de assassinato, ou seja, uma ação cujo resultado é a morte intencionada de outra pessoa contra a vontade desta. Em vez disso, designar o aborto de “crime” seria um julgamento de valor de natureza moral e jurídico-legal.

Muitas vezes, a mulher e/ou o casal que se decide por fazer um aborto racionalizam a decisão. Uma justificativa frequente, especialmente quando o aborto acontece após as primeiras semanas de gravidez, é a de que a vida sequer teria começado. Atrás disso, diz Hellinger, esconde-se a ilusão de que é possível desfazer algo, uma vez que o feto é tratado como coisa, como objeto do qual se pode dispor arbitrariamente. O feto não aparece como um ser humano.

Embora a questão de quando a vida começa não tenha efetivamente ainda uma resposta conclusiva no âmbito da ciência, o ponto nem sequer é esse. Trata-se, isto sim, do modo como esse ato é experimentado no nível psicológico ou “da alma”, como Hellinger prefere dizer.

Ora, diz ele, “essa instância interior não se impressiona com os argumentos. Age de maneira absolutamente independente de qualquer argumentação e também de um modo subconsciente” (Hellinger, B. Felicidad Dual, 2001, p. 153).

A alma “não entende” as justificativas racionais. Ela simplesmente “sente”. E de que maneira a alma sente esse ato? A alma sente o ato como culpa e, em consequência, a mulher e/ou o casal iniciam um processo que visa se desfazer da culpa através da expiação.

Hellinger afirma que tem observado que o aborto “é mais carregado de consequências pesadas do que quando se consente com o [nascimento do] filho” (Hellinger, B. Mein Leben. Mein Werk, Ariston eBook, Edição Original, Dezembro 2018 – tradução nossa).

Na próxima postagem, trataremos mais profundamente essa questão da expiação.


JOSÉ LUIZ AMES E ROSANA MARCELINO são terapeutas sistêmicos e conduzem a Amparar.