
Nos aparelhos e no solo da ginástica artística, as duas Coreias convivem pacificamente, trocam experiências e se aplaudem. Ainda que com discrição.
Hong Un Jong, de 27 anos, é esperança de medalha para a Coreia do Norte, que enviou 31 atletas para os Jogos. Na Olimpíada de Pequim, em 2008, ela conquistou uma medalha de ouro no salto sobre o cavalo. Já Lee Eun-jo tem 17 anos e assumiu o desafio de substituir a ginasta titular da Coreia do Sul, que se machucou no fim da semana passado e acabou afastada. Lee é uma dos 212 competidores sul-coreanos enviados ao Rio.
O Parque dos Atletas fica do lado oposto da via onde está a Vila dos Atletas e foi erguido para o treinamento dos competidores em diferentes modalidades. A enorme tenda da ginástica é uma das mais movimentadas. Hong e Lee, as únicas representantes de seus países na ginástica artística feminina, caíram no mesmo grupo misto, o de número 1, ao lado de atletas do Panamá, Jamaica e Irlanda.
Ao todo, oito grupos mistos foram estruturados para permitir o treinamento de 38 atletas.
No domingo, apenas Lee treinou, com seu técnico. Ontem, Hong apareceu no Parque dos Atletas com sua treinadora, e as duas treinaram juntas entre 14h30 e 16 horas.
Ninguém fala inglês
A forma como as passagens pelos aparelhos e pelo solo foi organizada leva a uma proximidade entre as atletas. Os treinos da ginástica artística feminina costumam ser silenciosos, sem muita conversa. Mesmo assim, Hong e Lee trocaram algumas palavras quando se preparavam para saltar sobre o cavalo. Os treinadores também conversaram sobre os desempenhos das atletas.
A expectativa de medalha em torno de Hong fez as atenções se voltarem a ela nos momentos dos saltos. Os mais bem executados pela norte-coreana eram aplaudidos pelas outras ginastas e técnicos. O treinador sul-coreano era um dos mais entusiastas.
A reportagem do GLOBO tentou falar com as duas equipes, no domingo e ontem. Os sul-coreanos e as norte-coreanas não se comunicam em inglês. A treinadora da Coreia do Norte entendeu apenas a pergunta sobre a possibilidade de Hong repetir o feito de 2008. Respondeu com um sorridente ?sim?.
O fato de ser o país mais fechado do mundo, com um regime centralizado num líder, Kim Jong-un, se reflete no comportamento da delegação da Coreia do Norte no Rio. O país não divulgou no sistema interno disponível aos jornalistas a relação de assessores da delegação. A organização dos jogos também diz não ter esses nomes.
Nos treinos dos norte-coreanos, não há atletas ou treinadores dispostos a falar. No último sábado, a KCNA, agência oficial de notícias da Coreia do Norte, informou que o país enviou uma delegação política de alto nível para acompanhar os Jogos. A delegação é liderada por Choe Ryong Hae, próximo a Kim Jong-un. Não há informação sobre a chegada do grupo ao Rio e sobre onde eles podem estar hospedados.
O conflito entre os dois países remonta à Guerra da Coreia, entre 1950 e 1953. A Coreia do Norte, comunista, era liderada pela extinta União Soviética. A Coreia do Sul, capitalista, pelos Estados Unidos. A guerra não foi encerrada por um tratado de paz, mas por um armistício, que a Coreia do Norte afirmou ter cancelado em 2013, prometendo retaliação militar ?impiedosa? contra os inimigos.
Em maio deste ano, a Coreia do Sul rejeitou uma proposta de reunião bilateral para minimizar a tensão entre os dois países. Para isso ocorrer, segundo os sul-coreanos, é preciso que os norte-coreanos renunciem ao programa de armas nucleares.