Cascavel – Produtores de leite da região oeste têm um sério inimigo que pesa nas finanças, e não é o preço pago pelo produto nem o custo da produção: são as quedas frequentes da energia elétrica, que têm feito com que muitos produtores joguem leite fora por falta de refrigeração.
Na comunidade de Sapucaia, no interior de Cascavel, fica o sítio de Paulo Sérgio Grigoletto, onde a situação já chegou ao extremo. A família está movendo uma ação contra a Copel há quase quatro anos. Só que, em vez de melhorar, o produtor diz que a situação tem piorado gradativamente. Somente este mês já houve quatro quedas e não são “picos de luz”. “Na segunda [dia 15] acabou a luz perto das 7h e só voltou às 11h30. Por sorte já tinha encerrado a ordenha das vacas”, conta.
Entre os períodos mais críticos esteve a interrupção do fornecimento por 36 horas na virada do ano. Iniciar o ano sem energia elétrica fez o produtor traçar planos diferentes para 2019: “Tive que jogar fora mil litros de leite. Em uma atividade onde a renda se faz pelos centavos, jogar produto fora é jogar o lucro pelo ralo”, lamenta.
Paulo se obrigou a comprar um gerador movido a gasolina. “Só que, se eu deixar ligado por três horas, ele gasta todo o lucro”, reforça.
O drama enfrentado por Paulo se repete por toda a região e os prejuízos vão se multiplicando.
Segundo o presidente do POD (Programa Oeste em Desenvolvimento), Danilo Vendruscullo, este é um dos maiores entraves em toda a cadeia produtiva, e que atinge desde os produtores, no campo, até a indústria, na cidade, que também passa por essa experiência quase que diariamente.
Conforme Danilo, esses problemas têm sido tratados de perto com a Copel e o governo do Estado, o qual haveria uma sensibilidade maior que das gestões anteriores em entender que já passou da hora de a companhia investir nas redes de distribuição e na qualidade do fornecimento, além de adotar políticas mais amplas e eficazes de incentivo às energias renováveis. “Da forma como está, não sentimos confiança alguma em incentivar novos investimentos na região”, admite Vendruscullo.
Um grupo de trabalho já foi criado, dentro da Comissão de Energia Elétrica do POD, para discutir o tema.
Um ano para respirar aliviado
Não fosse o problema da rede de energia elétrica, o caminho do leite em 2019 seria só de boas notícias. É que este promete ser um ano menos árduo que os últimos. Isso porque o valor pago pelo litro ao produtor tem mantido uma margem interessante, uma das melhores dos últimos três anos. A justificativa, explica o extensionista do Instituto Emater Sérgio Haroldo Hein, não está no aumento do produto, até porque o litro do leite gira em torno de R$ 2,2 a R$ 2,5 nos supermercados. A questão é que o custo de produção para silagem e ração, que têm como base a soja e o milho, é o menor desde 2016: a soja está na casa dos R$ 67 a saca e o milho próximo de R$ 26. Em outros tempos, esses valores já bateram a casa dos R$ 80 e dos R$ 40, respectivamente.
Alimentação diversificada
A diversificação da alimentação, mesclando pastagem de boa qualidade, somada à ração e à silagem ajudam a diminuir custos. Na propriedade de Paulo Sérgio o lucro de 2018 foi de R$ 0,25 por litro. Este ano ele está similar, mas promete melhorar, ao menos um pouco. “Se melhorar um ou dois centavos, na soma de tudo, é um bom rendimento”, afirma o extensionista Sérgio Haroldo Hein.
Paulo Sérgio recebe para cada um dos quase 500 litros/dia cerca de R$ 1,35. O custo de produção gira de R$ 1,05 até R$ 1,10, o restante é lucro.
A expectativa é para que de maio até agosto passe a receber até R$ 1,6 por litro. O custo também deve subir um pouco, porque esse é um período em que as pastagens ficam mais escassas. “O leite dá lucro quatro meses e empata quatro. Os outros quatro meses se paga para trabalhar. Então, no momento em que dá lucro, é preciso ter controle para manter no restante do ano”, afirma o extensionista da Emater.
Planejamento e empreendedorismo
É o planejamento que está contribuindo para mudar a vida de pelo menos 600 produtores de leite da região de Cascavel. Segundo o coordenador Regional de Projetos do Instituto Emater, Elsio Pavan, eles estão se tecnificando, apostando no bom preparado e na profissionalização. Estão se transformando em verdadeiros empreendedores do campo, entendendo melhor do próprio negócio, conhecendo-o a fundo. “Eles precisam entender dos gastos, do lucro, dos resultados. Esse é um grupo que, com essa qualificação, sofre menos em períodos de crise”, considera.
É o que fez a família de Paulo Sérgio Grigoletto. Ele é a segunda geração em uma propriedade onde tudo gira em torno do leite. O pai começou há mais de 40 anos e hoje ele e a esposa coordenam o sítio de três alqueires com 40 vacas, 26 em lactação. Pequena para os grãos, o leite sempre foi o sustento e a aposta é a diversificação, mas na mesma cadeia.
A esposa Talita abandonou a sala de aula, onde era professora, para produzir queijos. São 500 litros de leite/mês que rendem, em média, 50 quilos do produto, mas a inovação não parou por aí. Além do colonial, o casal viu um importante nicho e está se especializando. Produz espetinhos com queijo coalho. Seus clientes são restaurantes e pontos de comercialização desse tipo de produto.
A clientela se expande a cada semana. E é esse processo de agregar valor que tem contribuído para a manutenção do casal e da mãe de Paulo Sérgio. “A mão de obra é muito difícil, então a maioria conta com a família mesmo. Além disso, o leite é uma cultura de altos e baixos, temos em toda a região cerca de umas 25 mil propriedades de leite, penso que em dez anos só permanecerá quem de fato estiver preparado para isso”, prevê o extensionista Sérgio Haroldo Hein.
Paulo Sérgio e Talita conhecem bem isso. Fazem contas com o auxílio do Sérgio, que reconhece que o rendimento obtido hoje na propriedade equivale, se comparado à soja, a 300 sacas anuais por alqueire. Na prática, a melhor área cultivada com soja na região não possui uma produtividade nem de 200 sacas por alqueire. “Nunca pensamos em deixar a área. Isso é o que sabemos fazer, mas sabemos que é preciso aprimoramento para seguir nela”, conta o produtor.
Queijo de melhor qualidade
Com mesclas de vacas holandesas e Jersey, a cruza de ambas tem garantido um excelente leite para o queijo. Agora, Paulo Sérgio Grigoletto e a família se preparam para a produção de inverno, que é quando o consumo aumenta exponencialmente. Isso significa que lá na ponta, para o consumidor final, o leite com preço mais acessível está com as semanas contadas.
Para o extensionista da Emater Sérgio Haroldo Hein, em pouco mais de um mês o longa vida, aqueles de caixinha, que hoje custa cerca de R$ 2,5, deverá ser encontrado por R$ 3,5, ou seja, aumento para o consumidor que pode chegar aos 40%.
Reportagem: Juliet Manfrin