Cannes HelíRIO ? Motivo de piadas em filmes e séries de TV, a suposta falta de humor do alemão foi desmentida (ou pelo menos minimizada) com a estreia de ?Toni Erdmann? no 69º Festival de Cannes, no sábado, terceiro dia da corrida pela Palma de Ouro. Dirigido pela alemã Maren Ade, o filme, uma comédia dramática sobre a relação entre pai e filha, foi o primeiro candidato da competição a ser aplaudido pela imprensa durante a projeção.
A plateia de jornalistas sucumbiu aos momentos mais divertidos da curiosa dinâmica entre Winfried (Peter Simonischek), um excêntrico professor de música afeito a pegadinhas, e sua filha Ines (Sandra Hüller), alta executiva que só pensa na carreira. Os dois pouco se veem, mas, após a morte do cão de estimação, Winfried decide fazer uma visita surpresa à filha em Bucareste, onde ela trabalha num importante projeto.
Preocupado com o estilo de vida da filha, que se resume a reuniões de trabalho em bares e restaurantes, Winfried decide intervir. Primeiramente provocando-a com perguntas diretas (?Você é um ser humano, mesmo ??). Depois, disfarçado com um terno cafona, uma peruca e uma dentadura postiça, cria Toni Erdmann, conselheiro de executivos que surge em diferentes ocasiões da rotina profissional da já constrangida Ines.
? A impulsiva transformação de Winfried é uma tentativa ousada de quebrar o molde do relacionamento entre pai e filha. A figura de Toni Erdmann nasce do desespero. Winfried é incapaz de se comunicar com a filha de outra maneira ? explicou a diretora.
A competição ganhou ares mais picantes com a exibição do thriller erótico ?The handmaiden?, primeiro longa do diretor sul-coreano Park Chan-wook a concorrer em Cannes desde ?Sede de sangue? (2009), que saiu do festival com o prêmio do júri. Aqui o diretor troca o sangue e a violência por uma história de alta carga sexual, envolvendo uma jovem punguista cooptada por um trambiqueiro para ajudá-lo em um golpe milionário.
A moça é contratada para trabalhar como criada pessoal de uma rica e emocionalmente instável herdeira de um colecionador, e assim convencê-la a casar-se com o trambiqueiro. O malando só não contava que as duas moças acabassem se tornando amantes. O filme é uma adaptação do romance ?Fingersmith?, da escritora britânica Sarah Smith, ambientado na era Vitoriana. Park Chan-wook trouxe a trama para a Coreia dos anos 1930.
? Além das razões práticas, era preciso levar em consideração que a história fala de uma sociedade em que as diferenças entre classes eram mais rígidas e profundas, e que a figura da criada e de um colecionador de raridades ainda existiam. Esses elementos eram comuns na Coreia dos tempos coloniais, do início do século passado ? justificou Chan-wook.
O momento pop do dia foi a exibição, fora de concurso, de ?O bom gigante amigo?, mistura de atores com animação digital que devolve o diretor Steven Spielberg ao terreno infanto-juvenil, visitado anteriormente em ?E.T. ? O extraterrestre? (1982) e ?Hook ? A volta do Capitão Gancho? (1991). Adaptação do livro ?O BGA?, do galês Roald Dahl, o filme descreve a amizade entre a pequena órfã Sophie (Ruby Barnhill) e um gigante, habitante mais amistoso de uma terra mágica onde seus pares têm o hábito de comer seres humanos.
A criatura, que é hostilizada por seus semelhantes por se recusar a se alimentar de humanos, foi criada digitalmente a partir da performance do ator Mark Rylance, ganhador do Oscar de ator coadjuvante deste ano com ?Ponte dos espiões?, de Spielberg. O livro de Dahl, autor também de ?Matilde? e ?A fantástica fábrica de chocolate?, também adaptados para o cinema, já havia ganhado uma versão em desenho animado nos anos 1980, dirigida pelo britânico Brian Cosgrove.
? Todos temos que acreditar em magia. Em momentos de crise, mais ainda. A magia nos dá esperança. Filmes dão esperança para as pessoas, e esperança é tudo para mim ? disse Spielberg na coletiva de imprensa que se seguiu à projeção do filme.