Cotidiano

Casal Mignone reúne correspondências amorosas em livro

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RIO ? Para muitos críticos musicais, ela foi a intérprete ideal de Francisco Mignone. Mas a pianista paraense Maria Josephina também dividiu com o regente, compositor erudito e ex-adido cultural do Brasil na Itália, morto em 1986, uma trajetória em que romance e parceria musical andaram de mãos dadas. Admiradores de Mignone e estudiosos de sua música podem agora saber mais sobre essa histórica associação com a publicação de ?Cartas de amor ? Francisco Mignone e Maria Josephina Mignone?, que, como o título indica, traz a correspondência entre marido e mulher/compositor e intérprete ao longo de duas décadas. As 140 cartas reunidas acabam jogando luz mais sobre o Mignone íntimo do que sobre o artista.

? O conteúdo é mais amoroso do que artístico, é sobre o sentimento que ele tinha por mim e a vida que levávamos juntos. Achei que, se a humanidade conhecesse a alma desse grande compositor, talvez as pessoas pudessem ver a bondade e a simplicidade dele. Ele me chamava de Jô, e eu o chamava de Franz, em homenagem ao Schubert ? conta Josephina, de 94 anos, que assina o livro, lançado nesta semana. ? São documentos históricos, e quis que eles fossem publicados enquanto eu estou viva, até para que as pessoas não ficassem imaginando coisas…

Maria Josephina e Francisco se conheceram em março de 1964, na Academia Lorenzo Fernândez, onde ela era professora, e ele foi dar uma aula inaugural. Dois anos antes, o compositor havia perdido a esposa, Liddy Chiaffarelli (de quem Josephina fora aluna), em um acidente aéreo. No dia seguinte ao encontro, ele já chegou com uma peça musical para Josephina tocar. A pianista se decepcionou, pois a achou muito fácil.

? Ele deve ter passado a noite preparando a composição e quis fazer algo condizente com o meu trabalho, que era lecionar a crianças. Hoje sinto até remorso de não ter valorizado aquele presente ? brinca a viúva.

Logo no primeiro mês de relacionamento, ela lhe escreveu: ?Sinto em você qualidades de alto valor espiritual que me prendem, atraindo-me irresistivelmente?. Mignone, também, foi descobrindo aos poucos qualidades especiais na técnica musical de Josephina e, nos anos seguintes, dedicou-lhe diversas composições, muito mais complexas ? e difíceis de tocar ? do que a primeira. Juntos, formaram o Duo Mignone, que manteve-se na ativa durante 14 anos.

? Você pode imaginar o que é dois músicos convivendo, participando juntos de concertos. O nosso dia a dia era música, respirávamos música! ? diz Josephina. ? Eu já tinha uma carreira pianística antes de conhecê-lo, mas que foi desenvolvida com ele.

Fato curioso: Mignone também manteve uma vasta correspondência com escritores brasileiros (que não estão publicadas na edição). Uma das mais ricas foi com o seu amigo Mario de Andrade. Porém, Josephina conta que, em um momento de fúria, o compositor rasgou todas as cartas trocadas com o autor modernista.

? Ele as destruiu na minha frente. Todos me perguntam, mas até hoje não sei por quê.