NOVA YORK ? Donald Trump promete recuperar a grandeza dos EUA e o povo acredita na proposta. Aparentemente, ele é o candidato republicano e chegou lá com o tal imperativo de campanha repetido exaustivamente em seu site, em bonés de beisebol vermelhos chamativos, adesivos, placas de jardim e em toda a parafernália publicitária.
Esta é a única mensagem verdadeira e inabalável que Trump oferece a seus correligionários. Ele pode até evitar respostas diretas sobre sua declaração de renda, mas não falha em pontuar a necessidade de devolver à nação sua glória passada.
Que país ele nos está prometendo? Se perguntar à sua base, seus membros lhe dirão que a vida piorou para gente como eles nos últimos 50 anos. Parece seguro então assumir que, aos olhos da imensa maioria de seus fãs homens e brancos, os EUA eram melhores há meio século. De fato, era ótima ? para eles.
Não era só a abundância de trabalhos nas fábricas ou o fato de as mulheres e as minorias se manterem afastadas das posições de poder; programas nacionais importantes, que mudaram radicalmente a cara do país, preservaram a nossa grandeza especificamente para os homens brancos. Sistemas da era do New Deal como a Seguridade Social e o seguro-desemprego, as regras que especificaram um salário mínimo, número máximo de horas trabalhadas e sindicalização protegida e a lei GI Bill no fim da Segunda Guerra Mundial transformaram substancialmente a nação e criaram uma classe média emergente ? mas todos deixaram as mulheres e as minorias de fora intencionalmente.
O principal programa da Seguridade Social, que ficou conhecido pelo nome da lei original, era o seguro por idade. A intenção era garantir que a velhice não se tornasse sinônimo de pobreza. A Lei da Seguridade Social, de 1935, que gerou essa e várias outras iniciativas, era revolucionária por ser a mais inclusiva e influente aprovada por estas bandas até então.
Acontece que foi implantada com brechas enormes. Para ganhar os votos dos democratas do Sul, que queriam proteger a estrutura Jim Crow da região, os trabalhadores do campo e domésticos foram deixados de fora. Considerando-se que mais de 60 % da força de trabalho negra da época se limitavam a esses empregos ? incluindo quase 85 % das mulheres negras ? praticamente dois terços de toda a população negra foram excluídos, como descreve Ira Katznelson em seu livro “When Affirmative Action Was White” (“Quando a Ação Afirmativa Era Branca”). A situação permaneceu inalterada até meados da década de 50.
A cientista política Suzanne Mettler mostrou em sua obra, “Dividing Citizens” (“Dividindo Cidadãos”) que as mulheres, que constituíam mais de 90 por cento dos trabalhadores doméstico da época, também foram ignoradas pela exclusão da mão de obra temporária, ou “casual” ? ou seja, aqueles mesmos que, por ganharem tão pouco, tornavam a poupança para a aposentadoria praticamente impossível.
O seguro-desemprego funcionou como uma verdadeira rede de proteção, garantindo aqueles que se viam desempregados pela primeira vez, só que as mesmas exclusões (do trabalho do campo e doméstico) se aplicavam ? e a iniciativa foi ainda mais longe, exigindo um histórico de estabilidade no emprego para o recebimento do benefício, coisa que a grande maioria dos negros não tinha.
A situação das mulheres, de um modo geral, era ainda pior. “Os legisladores agiam a partir do princípio que a função básica do seguro-desemprego era a de substituir o salário do ‘homem da casa’, considerado a ‘renda familiar'”, escreve Mettler. Praticamente todas as mulheres que trabalhavam o faziam em um esquema intermitente ou em meio-período que não as legitimava a receber o auxílio, mesmo porque não ganhavam o suficiente para alcançar o limite mínimo. A saída do emprego por causa das obrigações domésticas, como a educação dos filhos, era considerada “voluntária”, o que também as deixava de fora.
A Lei de Padrões Trabalhistas Justos, de 1938, que pela primeira vez estabelecia um piso salarial e limite de horas trabalhadas, garantindo que as pessoas não mais se matassem de trabalhar por uma ninharia, novamente excluiu trabalhadores agrícolas e domésticos. Esses só foram incluídos em 1974 e somente no ano passado os cuidadores receberam o mesmo tratamento.
A sindicalização criou outra proteção econômica ? só que novamente, na vasta maioria, para os homens brancos. A Lei Nacional de Relações de Trabalho preservou vários direitos que fizeram crescer significativamente o movimento: enquanto apenas quatro milhões de norte-americanos eram sindicalizados em 1929, em 1948 esse número chegava a 14,2 milhões. Entretanto, mais uma vez a legislação deixava de lado os trabalhadores agrícolas e domésticos. Na década de 40, as mulheres respondiam por menos de dez por cento do número total de trabalhadores protegidos.
Porém, talvez nenhum outro programa tenha sido tão essencial para a criação de uma classe média, nos anos 50 e 60, como o GI Bill: por causa dele, o governo gastou mais de US$95 bilhões entre 1944 e 1971 e milhões de pessoas usaram seus benefícios para comprar casas, obter diploma universitário, abrir negócios e encontrar bons empregos. As mulheres teriam direito aos benefícios se servissem o Exército, mas havia apenas 400 mil delas entre os mais de 16 milhões de pessoas que lutaram na Segunda Guerra Mundial.
Os negros se alistaram em grandes números, correspondendo a mais de 900 mil soldados. Dos que voltaram para casa, muitos se inscreveram para receber os benefícios da GI ? e realmente não houve exclusões formais, mas o governo deixou a implantação do programa a cargo dos estados e municípios, inclusive os que obedeciam à Lei Jim Crow.
Assim, os veteranos negros que pediam ajuda para abrir o negócio próprio volta e meia recebiam um “não”; os que pretendiam ingressar na faculdade tinham que ter a sorte de se encaixar no número reduzido de vagas em instituições segregadas. Embora as hipotecas fossem garantidas, eles tinham que pedir o dinheiro através de um banco, o que excluía a maioria. Nos subúrbios de Nova York e Nova Jersey, menos de cem das 67 mil hipotecas garantidas pela GI Bill não eram de brancos.
“A lei criou uma sociedade com uma classe média maior e mais forte, mas quase que exclusivamente composta de brancos”, escreve Katznelson.
Contudo, muitas das barreiras que foram transformadas em política governamental hoje são coisa do passado. Ainda há abismos raciais, econômicos e de gênero imensos, mas não é surpresa ouvir das minorias que as coisas hoje estão bem melhores em relação há 50 anos.
Trump não defende a participação mínima do governo; volta e meia diz que quer proteger aqueles mesmos programas que já excluíram muitos norte-americanos ? mas para ele a questão não é o governo ajudar ou não, mas sim a quem. Está simplesmente prometendo retomar a grandeza do país para aqueles que já tinham direito a tudo.