Cotidiano

Erika Mader dirige peça inspirada em romance de Tony Bellotto

INFOCHPDPICT000059832171Era ?2005 ou 2006?, diz Tony Bellotto, sem muita certeza. Mas certa madrugada ficou na memória. A insônia vencia o sono, e Bellotto foi ao terraço tomar um ar. De repente, um tiroteio rompeu o silêncio. Não era o primeiro que presenciava, mas ?dessa vez fiquei angustiado?, recorda. Pensou nos dois filhos (João e Antonio), do seu casamento com Malu Mader, e na cidade em que escolhera viver. A violência e a insegurança geraram perguntas que ficaram sem respostas, mas foram parar nas páginas de um livro.

Em 2007, ?Os insones? (Companhia das Letras) chegou às livrarias, misturando suspense, saga urbana e trama policial. Era o primeiro ?livro carioca? do guitarrista (dos Titãs) cuja literatura se tornou famosa pelas desventuras paulistanas do detetive Bellini. Agora, passada quase uma década, ?Insones? se torna a primeira adaptação teatral para um de seus romances. Com o mesmo título, a peça estreou ontem no Teatro do Leblon, com direção de Erika Mader, que assina, também, a adaptação da obra. Para o autor, ?Insones? chega à cena num momento em que aquele Rio inseguro de 2006 e o Rio olímpico de 2016 guardam mais coincidências do que ele gostaria.

? Uma das maiores inspirações para escrever o livro era a insegurança que eu sentia no Rio. Estava com dois filhos pequenos e ficava pensando ?é esse o lugar em que vamos viver?? ? lembra Bellotto, que assina a trilha sonora da peça com o filho João e Pedro Richard.

Naquele 2007, Sérgio Cabral assumia o governo, a política de segurança vendia a pacificação por meio das UPPs, e o sonho da cidade segura se juntava à utopia da Olimpíada própria. Agora, um mês antes dos Jogos, Bellotto lamenta a semelhança entre os dois pontos (2006-2016), ressaltando a atualidade de sua obra, o que contribuiu para o senso de urgência da montagem de Erika.

? Hoje o livro faz muito sentido, porque a gente voltou a viver num estado de insegurança, uma sensação de caos ? diz o autor. ? Chegamos a acreditar que a Olimpíada mudaria a cidade, mas não foi bem isso. A peça acontece num momento em que um ciclo de otimismo se encerra.

Vertigem, violência e urgência marcam as vidas dos ?insones?. Na trama, personagens do morro e do asfalto se cruzam, traficantes sobem e descem vielas, e embates de gerações acontecem, entre uma juventude com ímpeto revolucionário e uma classe média urbana que perde o rumo, iludida por velhos dogmas. É nesse caldo que se misturam as histórias de Samora (Guilherme Ferraz) ? um adolescente negro e rico, morador do Leblon, que decide ir pro morro ? e Sofia (Amanda Grimaldi) ? moradora de Ipanema dada como desaparecida ?; entre outras, como Mara Maluca (Polly Marinho), chefe do tráfico no Morro do Café, e Renato (José Karini), pai de Sofia.

? Li o livro quando foi lançado, mas há dois anos voltei a ele e senti aquela história muito viva, atual ? diz Erika. ? O medo do Tony em relação aos filhos é o mesmo que vivo hoje com a minha filha de um ano. Parece que durante esse tempo um buraco foi tapado, mas agora explodiu.

O que muda, para Erika, é o comportamento da juventude, algo prenunciado em Samora:

? Em 2007 a juventude estava mais apática, não ia para a rua, o que mudou nos últimos anos. O Samora, em 2007, já era um desses jovens de hoje que estão saturados, que precisam sair de onde estão e ir para a rua tentar mudar alguma coisa.