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Muito mais que o Papa: conheça o San Lorenzo, torcida ilustre que só quer voltar para casa

O time do Papa. Este é o rótulo que acompanha o San Lorenzo onde quer que o time argentino coloque os pés desde março de 2013, quando a fumaça branca do Vaticano brindou o cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio. A paixão do Papa Francisco pelo “Ciclón” alimentou certa mitologia em torno do clube, que ganhou sua primeira Libertadores no ano seguinte e começa nova caminhada no torneio nesta quarta-feira, contra o Flamengo, no Maracanã. Para os torcedores do San Lorenzo, porém, nenhuma benção é mais importante do que voltar para casa.

Libertadores – 07.03

Fundado em 1908 no local que corresponde atualmente ao bairro de Boedo, em Buenos Aires, o San Lorenzo foi despejado de seu estádio Viejo Gasómetro pela ditadura militar da Argentina, em 1979. Desde então, o clube se realojou em Bajo Flores, onde construiu o Nuevo Gasómetro, onde seus adversários no Grupo 4 da Libertadores terão de jogar. O desejo dos torcedores, no entanto, é retornar ao bairro original. Nada de time do Papa: o San Lorenzo que voltar a ser o time de Boedo.

– Dentro do próprio San Lorenzo, a coisa mais importante é que o clube vai voltar ao bairro original. Isso é o que mais mobiliza o torcedor. A questão territorial dos clubes é muito forte na Argentina, e a torcida se ressente muito porque o estádio atual não está em Boedo – analisa o jornalista britânico Tim Vickery, especialista em futebol sul-americano.

Em 2015, o clube conseguiu recomprar seu antigo terreno para dar início à reconstrução do estádio em Boedo. A previsão é de que o “novo Viejo Gasómetro” fique pronto em 2019, e levará oficialmente o nome do Papa Francisco. Apesar do apelo em torno do cardeal Bergoglio, não é tão fácil apontar quem é o mais famoso torcedor do San Lorenzo. O jornalista argentino Diego Paulich, do diário esportivo “Olé”, lembra que o Ciclón é conhecido justamente pela torcida ilustre.

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– Obviamente que um Papa não passa em branco, ainda mais com a ligação especial que tem com o clube. Bergoglio recebeu os jogadores algumas vezes no Vaticano, a última em setembro. Mas o San Lorenzo é conhecido por vários torcedores ultrafamosos. É o clube do coração de Marcelo Tinelli, um dos apresentadores de TV mais famosos da Argentina (comanda o programa “Showmatch”, líder de audiência há duas décadas). Isso para não falar de Viggo Mortensen… – lista Paulich.

Mortensen, ator dinamarquês que ficou conhecido por interpretar o rei Aragorn na saga “Senhor dos Anéis”, é um símbolo internacional do fanatismo pelo San Lorenzo. Na cerimônia do Oscar deste ano, quando estava indicado ao prêmio de melhor ator pelo papel em “Capitão Fantástico”, ele exibiu um escudo do clube argentino no tapete vermelho.

Viggo Mortensen com escudo do San Lorenzo

TRADIÇÃO OFENSIVA

A paixão surgiu na década de 1960, na infância de Mortensen. O futuro ator morava nos arredores do Viejo Gasómetro, e se apaixonou pelo time que ficou conhecido como “Los Carasucias”, uma equipe que marcou época pelo futebol envolvente e atrevido. A rigor, o apelido “Carasucias” referia-se aos cinco principais nomes daquele time. Entre eles estava o centroavante Narciso Doval, que jogaria por Flamengo e Fluminense na década de 1970.

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Os “Carasucias” não só consolidaram o San Lorenzo como um gigante do futebol argentino, mas também criaram a imagem de time que preza pelo futebol ofensivo. Os tempos atuais, no entanto, são outros. O futebol argentino passa por uma greve de jogadores desde que o governo parou de repassar verbas de televisionamento do campeonato, o que gerou dificuldades financeiras e atrasos de até cinco meses de salários nos clubes.

Embora o San Lorenzo seja um dos poucos que mantém os pagamentos em dia, Tim Vickery avalia que a crise fez o time perder jogadores importantes no ataque, o que coloca dúvidas se a fama de buscar o gol a todo custo será seguida na Libertadores.

– San Lorenzo perdeu dois atacantes importantes, Blanco (para o Atlanta United-EUA) e Cauteruccio (para o Cruz Azul-MEX), e não trouxe reforços de peso. Dá para enxergar essa questão financeira tendo impacto no clube. O time ainda é uma aposta, e sem ter o tempo necessário para aprimorar as engrenagens. Se os times brasileiros não aproveitarem essa vantagem sobre os argentinos, passarão atestado de incompetência – analisa Vickery.

DIFICULDADES PELA GREVE

A equipe atual conta com alguns poucos remanescentes da conquista da Libertadores em 2014, como o goleiro Torrico, o volante Néstor Ortigoza e o meia Romagnoli — este último trata uma lesão muscular e não viajou ao Rio para enfrentar o Flamengo. A principal novidade na temporada foi a chegada do meia-atacante Rubén Botta, de 27 anos, que já teve passagem pela Inter de Milão (ITA) e estava no Pachuca (MEX). Botta, que atua pelos lados do campo, deverá ser parceiro do ponta-direita Ezequiel Cerutti e do goleador Nicolás Blandi no trio ofensivo do 4-3-3 armado pelo técnico Diego Aguirre.

O desempenho na estreia da Libertadores, no entanto, é uma incógnita devido à falta de ritmo de jogo. Por conta da greve de jogadores, o Campeonato Argentino ainda não foi retomado neste ano, e o San Lorenzo fará contra o Flamengo sua primeira partida oficial em 2017. Diego Paulich recorda ainda que os dois principais nomes do time atualmente – o volante Ortigoza e o meia Belluschi – se machucaram nos amistosos de pré-temporada, o que pode ter prejudicado sua preparação.

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Apesar do prejuízo esportivo pela greve, o San Lorenzo – assim como Boca Jrs, River Plate e outros gigantes da Argentina – decidiu não retornar a campo até que o dinheiro seja regularizado. O presidente do clube, Matías Lammens, chegou a afirmar que a Associação de Futebol da Argentina (AFA) recebeu a verba do governo e não a repassou. Como tudo na sua história, o San Lorenzo acredita em decisões firmes e preceitos inegociáveis.

– Os clubes menores tiveram sérias dificuldades depois que o governo e a AFA não pagaram o dinheiro devido. A posição dos jogadores é só retomar o campeonato quando houver o pagamento. Não importa de onde virá o dinheiro – aponta Paulich.