A cena é sonhada por todos os atletas do planeta: subir no pódio olímpico e ser ovacionado por milhares de pessoas. De preferência num estádio de sonhos, como o Ninho de Pássaro, palco do atletismo em Pequim-2008. Maurren Maggi, ouro no salto em distância, teve essa honra e diz que é incomparável, ?por ser muito grandiosa?. E o pós-pódio? As melhores fotografias da vida: dias sem dormir de tanta alegria e adrenalina, a chegada ao Brasil com festa e o reencontro com a filha.
Lucimar de Moura, Rosemar Coelho Neto, Thaíssa Presti e Rosângela Santos perderam tudo isso. O revezamento 4 x 100m do Brasil conquistou o bronze na mesma competição, mas só descobriu oito anos depois. Elas receberão as medalhas bem longe da China, dia 29, no Prêmio Brasil Olímpico, no Rio.
? É uma pena que elas não possam sentir o mesmo. Ao menos, a justiça foi feita, elas terão a medalha olímpica. Isso já vale muito ? consola Maurren.
A premiação foi determinada pelo Comitê Olímpico Internacional após punição ao time russo, que havia conquistado o ouro, já que Yulia Chermoshanskaya testou positivo para duas substâncias anabolizantes. Com a desclassificação da Rússia, a Bélgica foi promovida a campeã, a Nigéria, à prata, e o Brasil, que tinha terminado em quarto, ao bronze. O anúncio aconteceu em agosto.
TRÊS APOSENTADAS
Oito anos após Pequim, três das atletas estão aposentadas e moram em cidades do interior. Duas são mães. A única velocista em atividade não chegou às finais dos 100m no Rio-2016 e faz vaquinha na internet para pagar os treinos nos Estados Unidos.
Thaíssa, de 31 anos, competiu até o fim de 2016. Hoje, mora em Vinhedo (SP) com o marido João Ricardo, administrador. Tem dois cachorros e uma horta. Formada em Educação Física, tem dúvidas em relação ao futuro profissional. Está desempregada.
? Eu me sinto feliz e frustrada. A medalha é bem-vinda, mesmo faltando um pedaço ? afirma, referindo-se ao que perdeu fora das pistas se ostentasse o título de medalhista olímpica nos anos que passou. ? Não me aposentei com segurança financeira. Perdi oportunidade de ganhar patrocínios e prêmios. Com a medalha lá atrás, teria sido melhor nesse aspecto. Mas não alimento a frustração. A medalha está coroando a minha carreira. Sei que vou me emocionar quando recebê-la.
Thaíssa, filha do ex-jogador de futebol Zé Sérgio, contou que as meninas se falam com frequência pelo WhatsApp. Criaram um grupo para trocar informações desde que surgiu a possibilidade do bronze. Hoje discutem que modelito usarão para caracterizar um time, em meio a uma festa de gala.
? Há dois anos comecei a ficar atenta ao tema. Não sei dizer o porquê. Mas tinha esperança ? comenta Thaíssa.
Lucimar, de 42 anos, é mãe de Ana Júlia, 6. Aposentada desde 2013, questiona-se: ?Se tivesse ganho a medalha em 2008, teria engravidado em 2009??
? Talvez tivesse adiado o projeto. Mas não me arrependo. Amo ser mãe, amo Ana Júlia.
À época, Lucimar estava casada há 17 anos com Leônidas, atleta do salto com vara. Segundo ela, o marido não teve oportunidade de crescer na carreira. A prova era desconhecida, e o apoio, escasso. Ele largou o esporte aos 20 anos. Após Pequim, sem medalha, e o quinto lugar (200m) no Mundial de Berlim, em 2009, Ana Júlia foi encomendada.
? Nem pensava nisso. Ele que me apertou ? lembra Lucimar. ? Ana Júlia nasceu em 2010 e eu voltei às pistas. Era uma tristeza. A cabeça ia, e as pernas, não. Com o surgimento de Ana Cláudia Lemos e o auge de Rosângela, chegava em último.
Lucimar mora em Ipatinga (MG) e dedica-se à maternidade. Sua casa fica no mesmo terreno da do sogro, enquanto não levanta outra em seu lote. Após a confirmação do bronze, ganhou proposta para treinar novos atletas na Associação Esportiva e Recreativa Usipa.
O marido, de 40 anos, é motorista de carreta. Mesmo com a vida mais pacata, Lucimar voltou a sofrer de ansiedade, como na época de atleta. Mas agora tem pressão alta. Por isso voltou a treinar, à noite.
? Não acreditei que o jogo ia virar para a gente. Porque essas coisas só acontecem com gente lá de fora, né? ? diz Lucimar. ? Perdi a volta olímpica, a imagem do pódio. Esse prazer não volta. Mas quero ter a medalha num quadro e comemorar com churrasco.
Assim como Lucimar, Rosemar, de 40 anos, disputou Atenas-2004 ? as únicas que foram a duas edições dos Jogos. Em 2008, conta, estava no auge:
? Os russos, possivelmente, são vítimas (o escândalo de doping foi orquestrado pelo estado). Sabiam que se dopavam, mas podem ter sofrido pressão. Mesmo assim, trapacearam e roubaram nosso momento, o melhor da minha carreira.
PROCESSO E VAQUINHA
Rosemar revela que as brasileiras pensam em acionar na Justiça o comitê russo por causa das perdas financeiras.
? Não dá para mensurar o que perdemos. Dá um vazio. O processo deve demorar e será uma herança para os filhos ? garante a mãe de Valentina, de 1 ano e 10 meses. ? Se começaram a me chamar agora para palestras, imagina antes.
Casada com Diego, único neto do bicampeão olímpico do salto triplo Adhemar Ferreira da Silva, ela e a sogra desenvolvem um projeto de atletismo, com foco na transformação social, em Miracatu (SP).
? Estava meio perdida, e minha sogra me chamou para trabalhar no Instituto Salto para a Vida. Acredito na justiça e fico arrepiada só de falar sobre o assunto. Posso ajudar na captação de projetos ? declara Rosemar, formada em Educação Física, mas que está sem trabalho fixo.
Rosângela, de 26 anos, é a única que ainda leva a vida nas pistas. Após o Rio-2016, trocou de técnico e de cidade: mora em Houston e é orientada por Eric Francis.
? Pensei em encerrar a carreira porque tenho planos pessoais, mas surgiu essa oportunidade e vou tentar mais um ano. Quero chegar à final do Mundial, em agosto ? revela ela, nos EUA desde 2014.
Quando perguntada sobre o que teria mudado na sua vida com o pódio em 2008, é direta:
? Só tenho certeza de que não estaria na situação atual, pedindo ajuda financeira para treinar. Minha preparação para o Rio e meus resultados poderiam ter sido diferentes. Mas bola para a frente. Não sei dizer o que sinto e não dá para voltar no tempo.
Rosângela, que tem um patrocínio e defende o Clube Pinheiros, iniciou um crowdfunding no site ?Kickante? para arrecadar R$ 60 mil. Até sexta-feira à noite, não tinha passado de 1% do objetivo (R$ 260).