RIO ? Rua Porto Alegre 31, Engenho Novo. Desde o início de maio, é possível avistar um cartaz amarelo logo na entrada de uma residência comum, onde se lê a mensagem: ?Casa à venda. Tratar com o proprietário?, acrescida do número de um celular. Mas ela é fixada no local apenas aos sábados e domingos, toda semana. ?Até hoje ninguém ligou para saber o preço do imóvel?, garante Cecília Terrana, moradora do espaço conhecido como Pequeno Engenho das Artes. A ideia é, de fato, provocar a ambiguidade, mas trata-se de um convite bastante original (exibido somente em dias de apresentação), de convocar o público para o seu novo projeto teatral. O espetáculo ?Casa à venda?, fruto de seu texto e direção, é encenado em dois cômodos do lar, que comporta uma plateia intimista de até dez pessoas, a cada sessão, mas os visitantes atravessam toda a casa conduzidos pelos atores (cinco para três personagens). Quem correr ainda poderá garantir ingressos para assisti-lo até o dia 17 de julho, no fim de semana, às 20h. O espetáculo custa R$ 20 (para atender aos custos da produção independente) e o agendamento é feito pelo telefone 99327-2137.
A proposta de venda é colocada em cena em meio à uma relação triangular: a casa em questão é uma construção antiga, em que o talento da arquiteta Cláudia e o suporte financeiro de seu marido, o engenheiro Paulo, foram investidos exaustivamente, a fim de formar o espaço perfeito para abrigar o relacionamento dos sonhos e a família ideal. Quem surge como a terceira pessoa da trama é Magu, a melhor amiga e a quem cabe a preferência na compra. Tudo se desenrola em ordem cronológica inversa e os segredos, escondidos entre as paredes, ganham luz. Móveis em miniatura ganham destaque.
? Os personagens criam a expectativa do relacionamento ideal, mas ele não atende mais os anseios pessoais de cada um, então aquela casa fica eternamente em reforma, sendo revisitada, vendida para outros. Quando está tudo pronto (reformado), não é mais aquilo, por isso as paredes descascadas contrastando com a decoração refinada. A nossa metáfora é essa, a casa é cíclica como os relacionamentos ? diz a autora, que pretende levar a peça também para outros espaços na cidade, além de festivais.
Cecília já experimentou outro projeto relacionado ao ambiente doméstico, também com interação do público, em 2013: ?A alma encantadora das casas?. Antes disso, o espaço servia como reduto de pesquisa e ensaio de artistas. A casa grande tinha diversos problemas de estrutura e conservação quando ela se mudou, em 1998, ainda com o objetivo de apenas dar aulas no local. Um edital do ?Festival Home Theatre”, para apresentar cenas em residências, foi o que a inspirou a investir no atual projeto, além do anseio em trazer algo novo e cultural para a região.
? Nós temos pouquíssimos espaços culturais na Zona Norte. Nesse bairro, por exemplo, o último aparelho que teve foi o cinema Santa Alice, que fechou em 1982 e virou uma igreja evangélica. Então, faltam ofertas e, ao mesmo tempo, os teatros públicos onde podemos fazer um espetáculo sem patrocínio são poucos e a concorrência é enorme. Queríamos atender aos moradores do bairro e distribuíamos filipetas, mas o público tem vindo de fora. Eles são nossos apoiadores-patrocinadores ? conta.
Para o segundo semestre deste ano, ela já planeja uma temporada de ?Casa à venda? no Parque das Ruínas, em Santa Teresa, uma antiga mansão.
? É uma peça que pode ir para o teatro, mas nós também estamos buscando lugares onde possamos fazer uma apresentação que dialogue com o espaço concreto, para não perder essa característica. A primeira cena será nas Ruínas e depois o público seguirá para o teatro, para ver o cenário montado no palco. É uma forma de poder receber mais pessoas e com conforto.