RIO – Durante um curso de design de moda praia, os alunos receberam a incumbência de traçar o planejamento completo de uma marca. Uma das integrantes da turma era Isadora Ferrari que, diante da tarefa, percebeu que era a única que não tinha uma empresa no ramo. A professora, então, sugeriu que ela simulasse um negócio. Mas Isadora preferiu ir além: aproveitou a deixa para criar a grife Aro, junto com sua amiga de longa data Danielle Cavalher.
Isadora tem 24 anos, e Danielle, 23. Por ora, a dupla assiste à marca, que tem um ano de existência, ir mais longe a cada dia. Já venderam no exterior, ganharam espaço num grande shopping carioca e agora se preparam para aumentar a produção, numa escalada que reflete uma aspiração muito comum entre os jovens brasileiros. Uma pesquisa da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) identificou que dois em cada três deles pensam em abrir o próprio negócio nos próximos anos.
O levantamento, que acaba de ser divulgado, traçou o perfil de jovens empresários do Brasil, com foco no Rio e em São Paulo, e de outras sete cidades do mundo: Berlim, Xangai, Madri, Nova Iorque, Bombaim, Londres e Moscou. O objetivo foi entender as principais motivações e barreiras assinaladas por eles e cruzar as informações com a realidade de outros países. Foram entrevistados 5.681 profissionais, entre homens e mulheres, com idades de 25 a 35 anos.
No Brasil, as principais motivações apresentadas pelos jovens empreendedores foram: realização de um sonho (76,4%); qualidade de vida (75,6%); altos ganhos financeiros (70%); aposta num mercado promissor (66,1%) e desejo pela liberdade de não ter chefe (64,5%). Vários desses tópicos permeiam a relação das criadoras da Aro com a marca.
? O que me atrai em ter o próprio negócio é a independência e a liberdade de fazer o meu destino, ainda mais levando em consideração a insegurança do mercado. A grife, para mim, significa a realização de um sonho de fazer com as próprias mãos ? resume Danielle.
A jovem conta que o entendimento sobre a natureza do negócio foi se consolidando ao longo da trajetória da empresa. Neste caminho, ela e Isadora chegaram a um conceito cujo mote é a valorização dos diferentes tipos de mulheres, sem se apegar a padrões estéticos, e uma forte preocupação com a mão de obra empregada na produção das peças.
Coincidência ou não, elas estabeleceram aí uma conexão direta com outros jovens brasileiros. É que a pesquisa também identificou como o país sai na frente em questões como ética e sustentabilidade. Enquanto 65,4% dos brasileiros declararam adotar ações voltadas à preservação do meio ambiente, como economia de água e reciclagem de lixo, nos demais países a média ficou em 45%. Além disso, 68,3% disseram ficar incomodados quando precisam se relacionar com pessoas que não são éticas, ao passo que nas demais nações pesquisadas essa preocupação cai para 49,3%. A grande maioria dos brasileiros também acreditava que vai contribuir, através da empresa, com algo útil para a sociedade (83,5%).
TECNOLOGIA COMO ALIADA
A ligação com a tecnologia é outra característica forte entre os jovens do país: 60,7% dos entrevistados apresentaram essa relação. A empresa Bunee, especializada em recrutar desenvolvedores e programadores ativos ou em busca de recolocação no mercado é um exemplo. Tocado por três sócios de 23, 27 e 32 anos, o negócio surgiu da percepção de que não havia algo do tipo no Brasil. Eles, então, desenvolveram um algoritmo capaz de compilar informações relevantes dos profissionais, estabelecendo uma ponte assertiva entre eles e os recrutadores.
? A gente notou que isso já era uma realidade nos EUA e em vários países da Europa, mas não havia nada na América Latina. Então, fazia todo sentido abrir algo com esse perfil ? conta Ian Romano, o mais novo dos sócios, que prefere não divulgar o faturamento. ? Mas posso dizer que, no mês seguinte à abertura da empresa, já estávamos no azul.
A dualidade expectativa versus realidade é outra marca da rotina vivenciada pelos jovens empreendedores brasileiros. Segundo a pesquisa, enquanto 85,2% acreditavam que iriam atingir as metas financeiras planejadas, 67,1% efetivamente alcançaram esse objetivo. Ou seja, 18,1 pontos percentuais separam essas duas situações.
Ainda nesse aspecto, os brasileiros mostraram uma confiança elevada nestes quesitos. Na média das demais cidades, 71,8% dos entrevistados confiavam no sucesso do planejamento financeiro e 64,2% estavam certos na previsão.
Segundo o gerente de Pesquisa e Estatística da Firjan, Cesar Kayat Bedran, em muitos casos, os jovens não fazem um planejamento ?minimamente coerente? com os objetivos do negócio.
? Na hora de empreender, é importante buscar uma mentoria para orientar os trabalhos. Mas nem todo mundo faz isso ? comenta ele. ? Isso faz muita falta na hora de lidar com questões burocráticas ou compreender toda a cadeia produtiva envolvida no setor em questão. Não saber o tamanho da encrenca em que está se metendo e desconhecer a complexidade do negócio é muito arriscado.
ENTRAVES BUROCRÁTICOS
A pesquisa também identificou que o maior diferencial dos jovens empreendedores do Brasil frente aos demais países é a insatisfação com a burocracia local: 46,9% deles acreditam ser este um grande problema para abrir e manter um negócio no país. A média observada nas outras cidades para este tópico foi de 29,3% . Para se ter uma ideia, o percentual de jovens que citaram a burocracia como entrave ao empreendedorismo em Nova York (16,8%) e Madri (17,8%) é quase um terço do registrado no Rio em São Paulo.
Juliano Seabra, coordenador geral da ONG de apoio a empreendedores Endeavor Brasil, chama atenção para a gravidade deste quadro. Para ele, trata-se de algo que precisa ser urgentemente alterado.
? Isso reforça muito a necessidade de uma reflexão sobre o que estamos fazendo de errado. Afinal, nossos empreendedores estão operando num cenário claramente mais difícil, se comparado a outros países ? destaca ele.
De acordo com Seabra, o Brasil tem uma boa política para quem opta pelo Simples. Mas, se o negócio começa a crescer, a situação muda radicalmente.
? Ao fazer essa transição, o empresário passa para um sistema tributário muito mais complexo. Então, muitas empresas são desencorajadas a crescer pelo próprio sistema. É como se os empreendedores estivessem sempre correndo com um elástico na cintura. E este é um campo de debate político que ainda não cresceu. Enquanto permanecer assim, o potencial desses jovens não será transformado em desenvolvimento ? conclui ele.