Ainda que tenha escolhido um clube bem estruturado para os padrões dos pequenos do Rio, Felipe sabia, ao decidir iniciar pelo Tigres do Brasil a sua vida de treinador, que o glamour de uma carreira que incluiu alguns dos principais clubes do país e a seleção brasileira tinha ficado para trás. E bastaram algumas horas da que deveria ter sido a tarde de sua estreia para a nova realidade se apresentar de forma clara. Teve apagão, teve um temporal que alagou o campo em Xerém e mais de três horas de tentativa de realizar, a todo custo, o jogo. Como a água se recusava a baixar, a partida contra a Cabofriense ficou para hoje, às 10h.
? Nem todo treinador começou no Barcelona. É o meu começo, dificuldades fazem parte. Lembra os velhos tempos ? disse Felipe, diante do campo alagado.
ESPERA COM LANCHE E CELULAR
Quando chegou ao Tigres, não havia jogadores no elenco. Além de promover jovens da base, ele e Pedrinho, seu fiel escudeiro, comandaram peneiras. Diariamente, viam treinar dezenas de candidatos que, em geral, nunca tinham visto jogar. Receberam vídeos, indicações. Era o resultado dessa busca que estava no campo ontem, pouco depois das 16h, aquecendo para o jogo marcado para meia hora depois. Àquela altura, o sol que castigara a Baixada Fluminense já dava lugar a nuvens ameaçadoras.
No vestiário, Felipe e Pedrinho perceberam que diriam as últimas palavras aos jogadores no escuro. A luz acabou pouco antes da ?corrente?, momento em que os jogadores rezam e gritam palavras motivacionais antes de ir ao campo. Uma câmera de TV iluminou um pouco o ambiente. Pedrinho olhava para cada jogador, dizendo que ali eram todos campeões. Citou os funcionários humildes do clube e disse até que trocaria tudo o que ganhou na carreira pelo sucesso naquele recomeço. Veio a oração, uma Ave Maria e um Pai Nosso a plenos pulmões. Chegara o momento. Só que não.
Na saída do corredor para o campo, a visão de um cenário desolador. O jogo teria que aguardar cerca de dez minutos, logo ampliados para trinta.
? Treinamos dois meses para colocar a bola no chão ? contou Felipe, falando do estilo que pretendia implantar e dizendo aos dirigentes do Tigres que o ideal era adiar o jogo. ? Tem a segurança dos atletas.
Era o que pedia o bom-senso. Já não se tratava só de água: os não mais de cem torcedores se protegiam também da assustadora tempestade de raios.
? A gente não quer colocar em risco a vida de ninguém. Mas a ordem da Federação é ter o jogo. Não há data. Vamos esperar os raios, resolver o alagamento e pedir a Deus que não chova ? explicou Nery Filho, delegado do jogo indicado pela Federação do Rio (Ferj).
Àquela altura, a determinação era esperar até a noite, se preciso. A seletiva do Carioca, com seis clubes, terá cinco rodadas e, quatro dias após o encerramento, começa a fase principal do torneio, com os quatro grandes jogando.
Felipe caminhava pelo campo, incomodado com o tipo de jogo que se anunciava. Sentados no chão à porta do vestiário, alguns jogadores matavam o tempo com celular ou em rodas de conversa. Preocupados com tanta espera, Felipe e Pedrinho levaram o time dali para o restaurante do clube, para um lanche. Afinal, quem sabia a que horas a bola rolaria? Até que surgiu a decisão: jogo às 19h, três horas e meia após o previsto. A definição durou pouco, porque veio mais chuva. Hoje, Felipe espera começar a realizar seus desejos:
? Meu título não é ganhar o Carioca, mas ver estes garotos num outro clube, acontecendo. Quero deixar uma marca, que o time jogue bem. Eu e Pedrinho não queremos o time jogando fechado, por uma bola.