Brasil - O Governo Lula III enfrenta uma das negociações mais complexas de sua gestão. A combinação entre o rombo fiscal provocado pela derrubada da Medida Provisória do IOF e a gastança desenfreada sem planejamento, além da resistência do Congresso em aceitar cortes de emendas ameaça o cronograma de votação do Orçamento de 2026.
A perda de arrecadação estimada em R$ 17 bilhões colocou em xeque as metas fiscais do próximo ano e forçou a equipe econômica a buscar alternativas. Sem a MP 1.303 (MP do IOF), que tributava aplicações antes isentas, como LCIs, LCAs, apostas esportivas e juros sobre capital próprio, o Ministério da Fazenda agora tenta convencer o Parlamento a recompor receitas ou rever gastos.
Conta não fecha
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, admitiu ontem (14) que há “compreensão crescente” entre deputados e senadores sobre as dificuldades para fechar o Orçamento. “Vejo agora, com a poeira baixando, a percepção de que isso terá impacto direto sobre o fechamento da peça orçamentária e poderá exigir cortes inclusive em áreas sensíveis”, disse durante audiência na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado.
Segundo Haddad, a medida provisória do IOF era um dos pilares do Projeto de Lei Orçamentária enviado em agosto. Sem ela, o governo terá de revisar as projeções e negociar reduções de despesas. “A MP era muito justa, inclusive porque diminuía a diferença entre o que paga quem adquire títulos públicos e quem investe em papéis incentivados”, afirmou.
LDO emperrada
O impasse já atinge a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), que orienta a elaboração do Orçamento. A votação do relatório, prevista para ontem na Comissão Mista de Orçamento, foi adiada a pedido de Haddad, que pediu tempo para ajustar o texto. A nova análise está marcada para esta quarta (15), e a votação em sessão conjunta do Congresso, para quinta-feira (16).
Mesmo assim, líderes admitem que o acordo político ainda está distante. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), disse que “sem consenso com o governo, a votação pode ser novamente adiada”.
Um dos principais entraves é a pressão dos parlamentares para que o Executivo pague as emendas impositivas já no primeiro semestre de 2026 — especialmente as destinadas à saúde, à assistência social e as chamadas emendas Pix, alvo de questionamento no STF. O Planalto, por sua vez, argumenta que não há espaço fiscal para antecipar recursos antes de resolver o rombo da MP.
Pressão do Congresso
O ministro Haddad afirmou que pretende conversar com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), sobre as consequências de cada cenário. “Estou tranquilo, mas quero levar ao conhecimento dele os impactos de cada decisão. Assim que o Congresso definir, poderemos fechar a peça orçamentária respeitando os princípios constitucionais”, disse.
Enquanto o governo tenta recompor o caixa, líderes do Centrão e da oposição intensificam a pressão por maior previsibilidade no pagamento das emendas, condicionando o apoio à manutenção dos repasses. O presidente da CMO, Efraim Filho (União Brasil-PB), criticou a estratégia da equipe econômica. “O ministro Haddad tem se concentrado no aumento de impostos, mas relegou a segundo plano o corte de despesas. Esse desequilíbrio precisa ser corrigido pelo lado do gasto”, afirmou.
Efraim alertou que a não aprovação da LDO até esta semana pode atrasar todo o ciclo orçamentário. “Não votar o Orçamento em 2025 seria um prejuízo para o governo, para o Congresso e para o país”, disse.
Dilema político
Dentro do governo, há reconhecimento de que o desgaste é inevitável. Assessores próximos a Haddad avaliam que a imagem de responsabilidade fiscal pode ser abalada caso o impasse se prolongue. O Planalto também teme que um eventual corte nas emendas provoque rebelião na base, sobretudo entre partidos aliados em disputa por espaço eleitoral.
A equipe econômica estuda medidas de compensação que não envolvam aumento de impostos, como revisão de subsídios e benefícios fiscais, mas qualquer ajuste enfrenta resistência no Congresso. A oposição, por sua vez, promete barrar novas iniciativas que elevem a carga tributária.
Ano pré-eleitoral aumenta pressão
Com o calendário eleitoral de 2026 se aproximando, a pressão por recursos cresce. Deputados e senadores querem garantir a liberação de verbas para inaugurações e obras em seus redutos antes do início da campanha. O Planalto tenta evitar que o Orçamento se transforme em moeda de troca política, mas reconhece que a margem de negociação é estreita.
O desafio é duplo: recompor as contas e preservar o apoio parlamentar. “O Orçamento virou o espelho das fragilidades do governo — fiscais e políticas. Sem dinheiro novo, o custo de cada voto aumenta”, resumiu um senador governista.
A expectativa no Congresso é que a LDO seja votada até o fim da semana para evitar atrasos na tramitação do Orçamento de 2026. Caso contrário, o Governo Lula poderá encerrar o ano sem uma base consolidada e com a política fiscal ainda mais pressionada.