CADERNO RURAL

Produtores de soja “seguram” venda futura à espera de um melhor preço

Foto: CNA
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Brasil - O mercado de soja no Brasil vive um momento de atenção e prudência por parte dos produtores. Diferente de anos anteriores, em que cerca de 20% a 30% da produção era comercializada antecipadamente — percentual suficiente para cobrir os custos de produção -, observa-se agora um ritmo mais lento nas negociações da nova safra. O movimento, segundo especialistas, reflete a busca por cenários mais favoráveis, seja no câmbio, na demanda externa ou em possíveis quebras de produção na América Latina.

Para Leonardo Martini, consultor da StoneX na área de gestão de riscos, esse comportamento está alinhado ao perfil do agricultor brasileiro, que historicamente avalia com cautela as vendas antecipadas.

“É natural que o produtor queira esperar um momento melhor para negociar, mas temos visto nos últimos anos alguns equívocos nessa postura, especialmente quando a safra alcança volumes recordes e pressiona os preços”, afirma.

As projeções atuais indicam uma colheita de aproximadamente 180 milhões de toneladas de soja no País. Esse volume, caso se confirme, deve exercer pressão sobre as cotações no período da colheita. Ainda assim, muitos produtores preferem aguardar, apostando em fatores externos que poderiam mudar o cenário. Entre eles estão a valorização do câmbio, uma eventual quebra de safra em regiões do Brasil ou na Argentina e até a intensificação da guerra comercial entre Estados Unidos e China, o que reforçaria a demanda chinesa pela soja brasileira.

Na avaliação de Martini, a cautela neste ano encontra justificativa.

“Estamos diante de um cenário de preços em Chicago e de taxa de câmbio em patamares muito baixos. Nesse contexto, esperar pode ser a decisão mais acertada, porque qualquer evento adverso futuro pode melhorar significativamente as condições de mercado”, explica.

Risco da espera

Apesar de considerar adequada a postura mais cautelosa em 2025, o consultor faz um alerta: a janela de oportunidade não é ilimitada. “Se nenhum desses cenários se concretizar e a safra realmente atingir 180 milhões de toneladas, os preços inevitavelmente vão recuar, podendo ficar abaixo dos níveis de R$ 120 a R$ 130 a saca observados anteriormente”, pontua.

Martini lembra que já houve momentos recentes em que as cotações estavam mais atrativas, mas muitos produtores não aproveitaram para fechar negócios ou realizar trocas de insumos. Com a queda posterior dos preços, as margens se estreitaram. “Esse é o risco de esperar demais: o mercado pode não oferecer uma nova oportunidade tão favorável”, observa.

Estratégias individuais

Embora especialistas sugiram um modelo de comercialização gradual e cautelosa, Martini reconhece que a decisão final cabe a cada produtor, de acordo com sua realidade, percepção de risco e experiência.

“O produtor tem sua própria visão e suas próprias opiniões, o que naturalmente leva a abordagens distintas. Mas, em termos de gestão de risco, é sempre prudente garantir pelo menos os custos antes de apostar em cenários futuros”, conclui.

Assim, o cenário atual mostra um produtor brasileiro mais atento e paciente, disposto a esperar por condições melhores de mercado, mas diante de uma safra recorde que pode mudar rapidamente o equilíbrio da oferta e da demanda. O desafio está em decidir o momento certo de agir — sem perder oportunidades e sem correr riscos desnecessários.

Com base nas vendas acumuladas até o mês de agosto, a China comprou 65,92 milhões de toneladas de soja do Brasil. O volume é 8% superior às aquisições feitas no mesmo período do ano passado. Os EUA, por sua vez, exportaram 22,4 milhões de toneladas aos chineses em igual período, recuo de 7,8% na comparação anual.

Em relação às exportações de soja, o Brasil deverá alcançar a marca de 104 milhões de toneladas nesta safra 2024/25. Entretanto, o estoque de passagem ainda ficaria grande, levando o agricultor a ser mais agressivos nas vendas.

Cotação

Enquanto isso, os preços da soja vêm subindo neste início de setembro, apontam levantamentos do Cepea. Segundo o Centro de Pesquisas, o bom desempenho dos embarques brasileiros de soja em grão e de óleo tem acirrado a disputa entre consumidores domésticos e estrangeiros e elevado os prêmios de exportação. Além disso, pesquisadores explicam que a valorização do dólar frente ao Real aumenta a competitividade do produto nacional e estimula as negociações internas. De acordo com dados da Secex analisados pelo Cepea, o Brasil exportou 9,33 milhões de toneladas de soja em agosto. Apesar da queda de 23,8% frente a julho – movimento comum para o período –, o volume foi recorde para o mês. No acumulado de 2024 (janeiro a agosto), os embarques totalizaram 86,5 milhões de toneladas, também recorde.

Planejamento e gestão de risco

Para especialistas, o ponto central continua sendo o conhecimento preciso dos custos de produção. Saber exatamente qual é o ponto de equilíbrio permite ao produtor tomar decisões mais estratégicas e menos emocionais. “A pergunta essencial é: qual é o meu custo de produção? Se os preços garantem uma margem interessante sobre esse custo, o produtor deve considerar comercializar pelo menos 30% da safra, o que já cobre suas despesas”, recomenda Martini.

O consultor reforça que essa visão é mais conservadora, mas funcional em termos de gestão de risco. A ideia é equilibrar segurança e flexibilidade. “Quanto aos 70% restantes, é possível manter uma parte em aberto e avançar com vendas graduais, à medida que eventos positivos surjam e sustentem os preços. Essa estratégia permite capturar médias melhores sem se expor totalmente aos riscos do mercado”, explica.