CABUL – Em 1985, a imagem de Sharbat Gula circulou o mundo, estampando a capa da revista americana National Geographic, em um registro feito Steve McCurry. Mas a afegã, que vivia em um campo de refugiados, não soube de sua fama até anos depois. Ela se refugiu no Paquistão, como milhões de seus compatriotas, e constituiu família no país. Até que, 30 anos depois, ela se viu presa e deportada de volta ao Afeganistão, onde concedeu uma entrevista exclusiva à rede britânica BBC.
A história de Sharbat é próxima a de muitos outros afegãos refugiados no Paquistão. Eles entraram no meio de um conflito entre os dois governos, com a gestão paquistanesa deportando centenas de milhares de pessoas no último ano. Em 2015, Sharbat se tornou alvo de investigação das autoridades, que descobriram que os documentos que a identificavam como Sharbat Bibi eram falsos. Ela teria sido uma das milhares de pessoas que conseguiu driblar o sistema computadorizado paquistanês para conseguir documentos no país.
Sabendo da investigação e do perigo, Sharbat fez todos os preparativos para voltar a sua terra natal com seus quatro filhos. Contudo, dois dias antes de sua partida, ela foi presa pelas autoridades paquistanesas. ?Tínhamos uma vida boa no Paquistão. (Tínhamos) Bons vizinhos e vivíamos com outros Pashtun. Não esperava que o governo fosse nos tratar dessa maneira? contou ela à BBC.
Ainda na entrevista para a rede britânica, ela conta que fez a carteira de identidade falsa para sua família: queria garantir a ida dos filhos à escola e para que pudesse vender a própria casa.
Nas duas semanas que passou na cadeia ? ela poderia ter tido uma pena de até cinco anos de reclusão ? Gula recebeu tratamento contra a Hepatite C, doença que vitimou seu marido e filha mais velha. Ao ser solta ? quando tomou conhecimento da fama da afegã, o governo paquistanês até ofereceu um visto permanente no país ? Gula decidiu-se por voltar ao Afeganistão, onde considerava que seria mais recebida.
?Foi a pior coisa que me aconteceu na vida. Disse a eles que estava voltando para o meu país. ‘Vocês permitiram que eu vivesse aqui por 35 anos, mas no fim me trataram dessa maneira’. Bastou para mim ? contou à BBC, na sua primeira entrevista desde 2002, quando converseu com McCurry. O fotógrafo a ajudou a cobrir os gastos de uma viagem à Meca e também sua defesa após a prisão.
Agora, em Cabul ? ela não pode voltar a sua província natal, Kot, que está sob domínio do Estado Islâmico ? Gula foi recebida com pompas. O presidente do país, Ashraf Ghani, inclusive, a prometeu uma casa própria na capital. Enquanto não recebe o presente, ela conta que quer melhorar a saúde e dar uma vida melhor aos filhos.
? Senti respeito e fui recebida com entusiasmo. ? disse a afegã. Ela também tem planos para o futuro. ? Quero que a paz volte a este país e que as pessoas não fiquem desabrigadas. Espero que Deus conserte este país ?