Agricultura e Clima

50 anos depois da geada negra, frio relembra virada histórica na agropecuária do Paraná

50 anos depois da geada negra, frio relembra virada histórica na agropecuária do Paraná

Neste fim de semana gelado de julho, com termômetros marcando pouco acima de 0°C em algumas regiões do Paraná e sensação térmica ainda mais baixa devido aos ventos cortantes, é inevitável que muitos paranaenses, especialmente os do campo, sejam levados a lembrar de um inverno que entrou para a história. Há exatos 50 anos, em 18 de julho de 1975, o Paraná era atingido por uma das mais severas ondas de frio do século XX: a chamada geada negra. O fenômeno não apenas destruiu lavouras inteiras de café, mas também marcou o fim de um ciclo econômico e o início de uma transformação profunda na agricultura paranaense.

Na sexta-feira (18), os dados do Simepar revelaram que 16 cidades paranaenses tiveram o amanhecer mais frio de julho. Em Palotina, a mínima foi de 1,1°C; em Ponta Grossa, 3,1°C; e em Palmas, 3,4°C. E o frio não termina por aí: a previsão indica manhãs geladas e ensolaradas pelo menos até domingo, com temperaturas oscilando entre 5°C e 10°C nas principais regiões produtoras do Estado. Coincidentemente, as mesmas áreas que, meio século atrás, viram os cafezais virarem cinza da noite para o dia.

Quando o Paraná congelou

Na noite de 17 de julho de 1975, o então governador Jaime Canet Junior, ciente da previsão de uma onda polar intensa, ligou para o secretário da Agricultura, Paulo Carneiro, pedindo que todos os técnicos do Deral (Departamento de Economia Rural) ficassem de prontidão. Às 21h, a temperatura já despencava e o alerta virou pânico. “Lamento dizer, mas acredito que pela marcha da temperatura os cafezais terão um grande baque”, teria dito o economista Eugênio Stefanelo, então diretor do Deral.

O que se viu na manhã seguinte confirmou os piores presságios: 60% dos cafezais paranaenses estavam destruídos, afetando mais de 1,8 milhão de hectares. Era o fim de um reinado. Até então, o Paraná liderava a produção nacional de café, superando São Paulo, com 21,3 milhões de sacas, o equivalente a 64% da produção do país. Em 1975, ainda colheu 10,2 milhões de sacas, mas jamais recuperaria a liderança.

Tragédia gerou reinvenção

Com o colapso da cafeicultura, a economia agrícola paranaense precisou se reinventar. “A diversificação das culturas foi um fato importante que presenciei”, recorda Stefanelo, que mais tarde viria a ser secretário de Agricultura. A devastação abriu espaço para a expansão da soja, do milho, do trigo, da horticultura e para a modernização de cadeias como a avicultura e suinocultura, hoje dois pilares do agronegócio paranaense.

Mesmo assim, o café nunca desapareceu do mapa. Adaptado e com foco na qualidade, e não mais na quantidade, o Paraná mantém viva uma tradição centenária em regiões como o Norte Pioneiro, que conquistou reconhecimento internacional por meio de Indicações Geográficas (IGs), como as de Carlópolis e Mandaguari. A produção atual gira em torno de 718 mil sacas (43,1 mil toneladas), cultivadas em 25,4 mil hectares — uma fração do que já foi, mas com valor agregado superior.

“O produtor paranaense entendeu que não dá para competir em volume com Minas Gerais ou Espírito Santo. A saída foi investir em cafés especiais, de qualidade superior, que valem mais e contam histórias próprias”, explica Carlos Hugo Godinho, analista da cultura do café no Deral. Estima-se que até 30% da produção atual possa ser classificada como café especial, a depender da safra.

O presente de um passado gelado

Enquanto o Paraná volta a conviver com manhãs de casaco pesado, luvas e gelo sobre o gramado, o fim de semana de frio intenso de julho de 2025 serve como lembrete da vulnerabilidade climática da agricultura — e também da resiliência do campo. A previsão do Simepar indica geadas pontuais nas regiões de fundos de vale e áreas abrigadas do Centro-Sul, como Guarapuava, Ponta Grossa e Curitiba. Embora sem o mesmo impacto devastador de 1975, o frio ainda preocupa produtores que têm culturas sensíveis em desenvolvimento.

Segundo o meteorologista Lizandro Jacobsen, “não há risco de geada negra como há 50 anos, mas o frio intenso exige atenção, especialmente de pequenos produtores com menor capacidade de resposta”. A baixa umidade relativa do ar também é motivo de alerta. Em cidades como Londrina, Loanda e Altônia, os índices ficaram abaixo dos 30% ao longo da última semana, aumentando o risco de incêndios florestais e prejudicando a qualidade do ar.

O impacto econômico de uma possível geada mais intensa neste cenário atual seria diferente. Hoje, o café representa apenas 0,6% do VBP (Valor Bruto de Produção) do Estado — R$ 1,13 bilhão em 2024 — e há uma cobertura maior de seguros agrícolas e tecnologias de mitigação de riscos climáticos. Mas os efeitos do clima no agronegócio continuam sendo motivo de constante vigilância.

Janela do futuro

Cinco décadas separam a noite congelante de julho de 1975 e as manhãs frias deste julho de 2025. O cenário mudou: a economia paranaense é mais diversificada, resiliente e conectada. Mas o clima continua sendo um fator determinante — e imprevisível.

Neste fim de semana, o frio volta a escrever capítulos importantes da vida no campo. Com geadas fracas e sol tímido entre os vales, produtores monitoram o céu e relembram, com respeito, o evento que moldou a história agrícola do Paraná. Da catástrofe nasceu um novo modelo de produção, hoje mais adaptado, mais inovador e, paradoxalmente, mais robusto.

Se a geada de 1975 foi o fim de um ciclo, o frio de 2025 é um lembrete de que resiliência e adaptação climática continuam sendo palavras-chave para o futuro do agro paranaense.

Legado de adaptação

O Paraná de 2025 é herdeiro direto da geada negra de 1975. As estruturas de pesquisa agrícola, assistência técnica e planejamento estratégico nasceram, em boa medida, da necessidade de reagir àquela tragédia. A criação de programas como o Concurso Café Qualidade Paraná, em sua 22ª edição, e o projeto Mulheres do Café, promovido pelo IDR-Paraná, refletem esse esforço contínuo de valorização da produção diferenciada e sustentável.

Também é notório o movimento de verticalização da produção, com agricultores investindo em torrefação, venda direta ao consumidor e até turismo rural, como forma de agregar valor ao que produzem. “A produção em grande escala dificilmente voltará a ser a regra para os produtores paranaenses”, resume Godinho.

SIMEPAR

Com uma estrutura de 120 estações meteorológicas telemétricas automáticas, três radares meteorológicos e cinco sensores de descargas atmosféricas, o Simepar é responsável por fornecer dados meteorológicos para órgãos como a Coordenadoria da Defesa Civil e a Secretaria do Desenvolvimento Sustentável, de modo a facilitar ações de resposta a situações extremas. São monitoradas desde situações causadas por chuvas extremas, como enxurradas, deslizamentos e alagamentos, até situações como incêndios e secas.

Dados mais detalhados da previsão do tempo para os 399 municípios paranaenses estão disponíveis no site www.simepar.br. A previsão tem duas atualizações diárias. Para cada cidade é possível saber o quanto deve chover, temperaturas mínimas e máximas previstas, umidade relativa do ar e vento, com detalhamento por hora para a data e o dia seguinte.