
Brasil - Encaminhada à Câmara dos Deputados no início de abril, a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da Segurança Pública, apresentada pelo Governo Federal como um esforço para ampliar a proteção ao cidadão, propõe uma série de mudanças estruturais na segurança pública do país. Entre as alterações previstas, estão à inclusão do Susp (Sistema Único de Segurança Pública) na Constituição Federal, a atualização das atribuições das polícias federais, a criação de corregedorias autônomas e a previsão constitucional de fundos específicos para a área.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, tem defendido a medida como um marco regulatório fundamental para dar maior solidez ao Susp, criado em 2018 por meio de uma lei ordinária. Segundo ele, a constitucionalização do sistema permitiria ao Brasil estruturar sua política de segurança de forma semelhante ao que acontece com o SUS (Sistema Único de Saúde), que coordena esforços nacionais e locais na área da saúde.
Na avaliação do governo, a medida é essencial para promover maior integração entre União, estados e municípios na formulação e execução das políticas de segurança. A proposta também visa padronizar protocolos operacionais, criar diretrizes gerais para o sistema penitenciário, estabelecer normas para coleta e tratamento de dados estatísticos e fixar as atribuições das guardas municipais.
Mudanças
Apesar das alterações previstas, especialistas criticaram as alterações. Um dos pontos que mais chamou a atenção foi à mudança no papel da PRF (Polícia Rodoviária Federal), que passaria a se chamar Polícia Viária Federal. Além do policiamento ostensivo nas rodovias, suas atribuições seriam ampliadas para incluir ferrovias e hidrovias, além de permitir o apoio direto às forças estaduais em operações de segurança pública. Segundo especialistas, a iniciativa poderá acarretar em riscos de sobreposição de funções e aumento da letalidade policial.
Outra inovação da PEC é a proposta de criação de corregedorias e ouvidorias com autonomia funcional. A medida tem o objetivo de reduzir interferências políticas e corporativistas em investigações internas e garantir maior transparência e controle sobre as forças de segurança. A constitucionalização dos Fundos Nacional de Segurança Pública e Penitenciário Nacional também está prevista, como forma de garantir a destinação de recursos à área, blindando-os contra cortes e contingenciamentos orçamentários.
Críticas
Os especialistas que analisaram o texto tem demonstrado ceticismo quanto ao impacto real da proposta sobre a segurança pública do país. Para a pesquisadora da Universidade Federal Fluminense Carolina Grillo, a PEC “não introduz mudanças efetivas” no modelo atual. “Ela apenas constitucionaliza práticas já existentes e não oferece uma resposta concreta à sensação de insegurança vivida pela população”.
Grillo reconhece, no entanto, alguns avanços na proposta. Para ela, a inclusão do Susp na Constituição é um passo importante para consolidar um modelo mais coordenado entre os entes federativos. “Hoje, não há clareza sobre as atribuições de cada instância da federação no campo da segurança pública. A constitucionalização pode ajudar a padronizar dados e garantir uma atuação mais coordenada entre os governos”, pondera.
O professor José Cláudio Souza Alves, da Universidade Federal Rural, também se mostra crítico à proposta. Ele acredita que a PEC ignora as raízes estruturais da criminalidade. “O problema está na base de uma estrutura social cruel e excludente. Sem oferecer alternativas sociais, econômicas e políticas para a juventude periférica, qualquer reforma institucional será inócua”, alerta. Para ele, a medida serve mais como um instrumento de debate político entre o governo e a oposição do que como um mecanismo real de transformação.
Apenas “mais do mesmo”
A ampliação das competências da PRF, por exemplo, é vista com reservas por Souza Alves. “Isso é mais do mesmo. Já vimos operações da PRF que resultaram em massacres. Em 2020, por exemplo, em apenas dois dias, foram 17 mortos em ações conjuntas com a Polícia Civil na Baixada. Fortalecer essa lógica de confronto armado não resolve o problema”, critica.
Já Alan Fernandes, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e ex-tenente-coronel da Polícia Militar de São Paulo, considera a PEC um passo importante para mudanças estruturais no longo prazo. “Ela não trará resultados imediatos, mas cria as bases para uma transformação profunda, especialmente ao mobilizar diferentes forças políticas em torno de um tema de interesse nacional”, avalia.