Poucos dias depois de uma das maiores crises diplomáticas envolvendo o agronegócio estremecer a relação entre Brasil e França, motivada pela declaração do CEO do Carrefour, Alexandre Bompard, ao endereçar para o presidente Nacional do Sindicato dos Agricultores da Europa, se comprometendo a boicotar a compra de carnes procedentes dos países do Mercosul, a paz voltou a reinar em prol do livre comércio entre os dois blocos, bandeira defendida por ambos há mais de 25 anos.
A formalização do acordo entre Mercosul e União Europeia ocorreu nesta sexta-feira, aproveitando a cúpula do Mercosul, em Montevidéu, no Uruguai. Ao contrário da postura do CEO do Carrefour, que precisou se retratar diante da avalanche de críticas recebidas, a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, considerou o tratado uma vitória para a Europa. “A União Europeia e o Mercosul criaram uma das alianças de comércio e investimento maiores que o mundo tenha visto. Estamos derrubando barreiras e estamos permitindo que entrem os investimentos. Estamos formando um mercado de mais de 700 milhões de consumidores. E essa aliança vai fortalecer as cadeias de valor, vai desenvolver indústrias estratégicas, vai apoiar a renovação e vai criar trabalhos e valores para ambos lados do Atlântico”, disse.
Na opinião do presidente do Uruguai, Luís Alberto Lacalle Pou, cada a cada um agora a celeridade para selar de vez esse acordo. O anúncio teve ainda a presença dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil), Javier Milei (Argentina) e Santiago Peña (Paraguai). As negociações, iniciadas em 1999 e interrompidas após um acordo preliminar em 2019, foram retomadas recentemente a pedido da Comissão Europeia, responsável pela política comercial da União Europeia.
O acordo vai valer para 27 países europeus e quatro sul-americanos. Juntos, os mais de 30 países somam 718 milhões de habitantes e economias com Produto Interno Bruto (PIB) de US$ 22 trilhões.
A entrada em vigor dessa parceria, porém, ainda depende de algumas etapas formais. O governo brasileiro considera o acordo estratégico em diversos sentidos. A União Europeia é o segundo principal parceiro comercial do Brasil, atrás apenas da China, e as trocas comerciais somaram aproximadamente US$ 92 bilhões em 2023. A expectativa do Brasil é que a aproximação com a Europa reforce a diversificação das parcerias comerciais do país e também modernize o parque industrial nacional.
Os próximos passos até a entrada em vigor do acordo são os seguintes:
- Revisão legal: Mesmo após a avaliação dos negociadores, o texto ainda precisa passar por um processo de revisão legal, para que seja assegurada a consistência, harmonia e correção linguística e estrutural aos textos do acordo. Segundo o Ministério das Relações Exteriores, essa etapa já se encontra em estágio avançado.
- Tradução: Depois da revisão legal, o texto precisará ser traduzido da língua inglesa, usada nas negociações, para as 23 línguas oficiais da União Europeia e para as duas línguas oficiais do Mercosul, que são o português e o espanhol.
- Assinatura: Assim como em qualquer negociação, não basta acertar os termos do contrato, é preciso assiná-lo. Quando os dois blocos assinarem o documento revisado e traduzido, estará formalizada a adesão.
- Internalização: Em seguida, os países dos dois blocos vão encaminhar o acordo para os processos internos de aprovação de cada membro. No caso do Brasil, é necessária a chancela dos Poderes Executivo e Legislativo, por meio da aprovação do Congresso Nacional.
- Ratificação: Concluídos os respectivos trâmites internos, as partes confirmam, por meio da ratificação, seu compromisso em cumprir o acordo.
- Entrada em vigor: O acordo entrará em vigor no primeiro dia do mês seguinte à notificação da conclusão dos trâmites internos. O Itamaraty explica que, como o acordo estabelece a possibilidade de vigência bilateral, bastaria que a União Europeia e o Brasil – ou qualquer outro país do Mercosul – tenham concluído o processo de ratificação para a sua entrada em vigor bilateralmente entre tais partes. Ainda não há um prazo para que isso ocorra.
Uma vez em vigor, o governo espera impactos relevantes para a economia brasileira
As estimativas para o ano de 2044 são: acréscimo de 0,34% (R$ 37 bilhões) no PIB; aumento de 0,76% no investimento (R$ 13,6 bilhões); redução de 0,56% no nível de preços ao consumidor; aumento de 0,42% nos salários reais; impacto de 2,46% (R$ 42,1 bilhões) sobre as importações totais; impacto de 2,65% (R$ 52,1 bilhões) sobre as exportações totais.
A UE é o segundo principal parceiro comercial do Brasil, com corrente de comércio, em 2023, de aproximadamente US$ 92 bilhões. O Acordo deverá reforçar a diversificação das parcerias comerciais do Brasil, ativo de natureza estratégica para o país, além de fomentar a modernização do parque industrial brasileiro com a integração às cadeias produtivas da UE.
Espera-se, da mesma forma, que o Acordo dinamize ainda mais os fluxos de investimentos, o que deve reforçar a atual posição da UE como a detentora de quase metade do estoque de investimento estrangeiro direto no Brasil. Ademais, os compromissos assumidos conjuntamente pelo Mercosul deverão aprofundar a integração econômica entre os sócios do bloco, entre outros por fortalecer as instituições regionais, como a Tarifa Externa Comum.
A expectativa é de que o Acordo de Parceria com a União Europeia acelere um ciclo virtuoso de inserção internacional do Mercosul, já que o acesso preferencial obtido pelo bloco europeu poderá ampliar o interesse de terceiros parceiros em negociar entendimentos com o Mercosul.