Cotidiano

Modelo de investigação criado na Lava-Jato se dissemina pelo país

Operações como a que prendeu ex-ministro do PT adotam mesmo padrão

SÃO PAULO e RIO – Dois meses após o juiz Sérgio Moro ter previsto que os trabalhos da Lava-Jato em Curitiba poderiam ser encerrados até dezembro, a operação volta a tomar corpo, se espalha e mostra fôlego para alcançar governadores e prefeitos. A planilha da Odebrecht, com cerca de 200 nomes e ainda não decifrada, registra repasses desde as eleições municipais de 2012.

Pelo menos R$ 68 milhões trazidos do exterior se transformaram em dinheiro em espécie pelas mãos de doleiros identificados como Kibe e Dragão. Esse dinheiro foi entregue a beneficiários de propina, o que mostra o potencial de danos que a Lava-Jato pode causar no cenário político, incluindo as eleições de 2018.

A transparência dada às apurações da Lava-Jato já serve como modelo de investigações que envolvem homens e dinheiro públicos. E gera filhotes. Pelo menos três novas operações — Cratons, O Recebedor e Custo Brasil — trilham o caminho do dinheiro cujos meandros foram identificados em Curitiba.

Lista de obras com desvios

Já foram identificados desvios na Ferrovia Norte-Sul, na Integração Leste-Oeste, nas obras do Rio São Francisco e na extração ilegal de diamantes em terras dos índios cinta-larga, cujo dinheiro transitava pela conta de um dos doleiros da Lava-Jato, Carlos Chater.

— É importante que o exemplo de atuação e a tecnologia de investigação que usamos em Curitiba se espalhem e se tornem padrão dentro do Ministério Público; o Federal e o Estadual. É para isso que estamos trabalhando, para que o exemplo da Lava-Jato se torne corriqueiro — afirma o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, da força-tarefa

Para o procurador, a Lava-Jato criou uma sistemática de combate à corrupção e ao crime organizado.

A Custo Brasil foi deflagrada semana passada em São Paulo e levou à prisão Paulo Bernardo, ex-ministro dos governos Lula e Dilma Rousseff e marido da senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR). O juiz Paulo Bueno Azevedo, da 6ª Vara Federal de São Paulo, manteve documentos sob sigilo, mas tornou pública a razão das prisões.

Turbulência em Pernambuco

Em despacho, Azevedo disse que a democracia não pode mais conviver com processos secretos e que “há evidente interesse da sociedade em saber as razões pelas quais, por exemplo, se determina a prisão de um ex-ministro de Estado”. Afirmou ainda que a decisão da própria Justiça deve ser fiscalizada pela sociedade.

— Ninguém em particular tem o poder de impedir o avanço das investigações. A sinalização da impossibilidade de obstrução dos processos penais é claríssima. Há uma consciência coletiva sobre a imprescindibilidade do avanço da Lava-Jato, e ela serve de vigília para que o Judiciário, o Ministério Público Federal e a Polícia Federal prossigam no seu dever — afirma o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Ayres Brito.

Até Moro já confidenciou a interlocutores ser improvável que os trabalhos da Lava-Jato em Curitiba terminem ainda este ano. Parte das investigações que envolvem o ex-presidente Lula retornaram ao juiz.

Em Pernambuco, a Operação Turbulência investiga um esquema ilegal que pode ter financiado a campanha de Eduardo Campos (PSB), ex-governador do estado e candidato à Presidência em 2014, quando morreu num acidente aéreo. O esquema, que incluía o avião no qual Campos viajava, teria movimentado R$ 600 milhões. A ex-senadora Marina Silva, da Rede, provável candidata à Presidência em 2018, foi vice na chapa de Campos e chegou a liderar as intenções de voto na corrida presidencial, logo após a tragédia.

Além das investigações de políticos com foro privilegiado no STF, como a que envolve Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente afastado da Câmara, a lista inclui o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e esbarra até no ex-presidente José Sarney. Três ministros do presidente interino Michel Temer (PMDB) perderam o posto em um mês: Romero Jucá (Planejamento), Fabiano Silveira (Transparência) e Henrique Alves (Turismo).

Apesar das perdas, Temer assegurou publicamente que a “operação deve ser mantida enquanto houver irregularidades”, embora ressaltando que “o país não pode ficar dez anos nessa situação”. Seu ministro da Justiça, Alexandre Moraes, foi a Curitiba para manifestar apoio à Lava-Jato, numa visita que incluiu Moro e a equipe da força-tarefa da Polícia Federal e do Ministério Público Federal.

O ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, adotou tom cauteloso e, recentemente, defendeu que a força-tarefa da Lava-Jato deve ter “sensibilidade” para saber o momento de “caminhar para uma definição final”. A declaração ocorreu um dia após a divulgação dos depoimentos do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, que se tornou delator. Os depoimentos dele envolvem mais de 20 políticos, entre eles o próprio Temer.

Casos no Rio

Desde o início de junho, uma força-tarefa formada por três procuradores da República, sendo um deles regional, apura os eventuais desdobramentos da Lava-Jato no Rio de Janeiro. Um dos objetivos é investigar se, além da Eletronuclear, responsável pela construção da usina nuclear de Angra 3, outra subsidiária da Eletrobras ou a própria holding do sistema elétrico está implicada no esquema de pagamento de propinas que envolve empreiteiros, gestores públicos e políticos.

Outro foco é a reforma do Complexo do Maracanã para a Copa do Mundo de 2014. Dois ex-executivos da Andrade Gutierrez (integrante do consórcio construtor), Clovis Primo e Rogerio Nora, contaram, em delação premiada, que o então governador do Rio, Sérgio Cabral, teria cobrado propina de 5% do valor da obra, enquanto o TCE teria recebido 1%. Como a obra recebeu recursos federais, a força-tarefa tem competência para atuar.