George Bush filho levou a fama. Mas seu pai também cometeu sua dose de trapalhadas. Em 1992, durante uma visita a Austrália, o então presidente dos Estados Unidos decidiu responder um grupo de agricultores locais ? eles protestavam contra subsídios governamentais dados a produtores americanos ? com um simpático gesto de paz, erguendo os dedos indicador e do meio para cima. Acontece que, no calor do momento, Bush acabou virando a palma da mão para si mesmo, o que para os australianos equivale a um ruidoso vai-tomar-naquele-lugar-onde-o-sol-não-bate-nunca. Com tanta gente vinda de pontos tão distantes do planeta, a previsão de gafes é tão certa quanto a de medalhas olímpicas. Para entender e ser entendido nesta Babilônia, a Revista O GLOBO preparou uma cartilha bem-humorada de etiqueta.
MÃO-BOBA: NEM O ?JOINHA? ESCAPA
Os mesmos dedos inocentes que complicaram a vida de George Bush na Austrália podem colocar você em maus lençóis em vários outros países. Reza a lenda que a ofensa surgiu na Guerra dos Cem Anos, período em que os franceses cortavam os dedos indicador e do meio dos arqueiros ingleses. Os que ainda tinham dedo para mostrar começaram a exibi-los em forma de ?V?, com a palma da mão virada para si, para dizer: ?Olha, ainda tenho os meus!?. O povo gostou e o xingamento perdura até hoje.
A seara dos impropérios gestuais é, na verdade, bem rica. Em muitos países, o inofensivo ?joinha? e o igualmente imaculado ?Estou torcendo? (com os dedos cruzados) podem mandar alguns interlocutores asiáticos e árabes para aquele lugar. O mesmo acontece no México, flexionando todos os dedos e virando a palma da mão para o interlocutor, rente ao peito. Aliás, por lá, esfregar o cotovelo também é chamar alguém de mesquinho.
Uma curiosidade é que o chifrinho feito com as mãos pelos amantes do rock foi disseminado pelo cantor Ronnie James Dio, ex-vocalista do Black Sabbath. Sua avó era italiana e, no país da macarronada, a invocação do chifrudo com os dedos indicador e mindinho equivale ao nosso bater na madeira.
O jornalista americano Seth Kugel, autor do canal do Youtube ?Amigo gringo?, ensina há dois anos o gingado nova-iorquino para internautas brasileiros. Uma de suas apostas de gafe é o ?OK?, feito com dedão e indicador em círculo e os outros três dedos para cima. No Brasil, como se sabe, isso pode não ser interpretado da maneira mais simpática possível ( na França, significa ?zero? ou alguém ou algo insignificante).
? Uma coisa que vai dar confusão é o sinal de lotado dos taxistas (juntando todos os dedos para cima). Isso, para nós, não significa nada. Pior, parece um xingamento ? ele prevê a tragédia, com uma gargalhada. ? Minha dica sobre a melhor forma de lidar com o estrangeiro é continuar sendo brasileiro: simpáticos e fazendo piada.
LÍNGUA-SOLTA: DA PROPINA AO BURRO
Na República Checa (sem piadas!), toda bunda, seja ela grande ou pequena, tem o seu preço. E é comum exibi-las por aí. Antes que sejamos mal-interpretados, a palavra usada para designar as nádegas em português significa ?jaqueta? por aquelas bandas. A lista de palavras que têm sentido dúbio é imensa. E as chances de cometer um deslize crescem na mesma proporção. Ficar com cara de interrogação quando um italiano chega dando tchau (?ciao? é usado antes e depois de uma conversa) é um clássico. Sem contar com a birra (cerveja, em italiano), o burro (manteiga, em italiano), a propina (gorjeta, em espanhol), o subir (sofrer, em francês), a pica ou a bicha (injeção e fila, em Portugal)…
Lembra da música ?Conquista?, da dupla Claudinho e Buchecha (aquela que dizia: ?Sabe churururu?)? Pois Buchecha nunca tinha reparado que cantava: ?com você tudo fica blue?. Acontece que ?blue?, em inglês, significa ?triste? e não ?feliz? ou ?bem? como dizemos no Brasil. O cantor, que fez dezenas de shows nos Estados Unidos e no Japão, jura que ninguém nunca reparou no erro de semântica.
? Acho que não mudaria a letra, não! É licença poética ? diz rindo. ? Só tive problema uma vez, na Argentina. Estava fazendo cooper com o Claudinho e gritei: ?Claudinho, vamos correr!?. Não sabia que significava fazer sexo. A menina da gravadora tampou minha boca e eu ainda repeti: ?Ué, gente! Quero correr?. Às vezes, a gente paga o maior micão, crente que está abafando.
Para lidar com estrangeiros, a relações-públicas Nina Kauffmann sugere: a) evite falar de política e religião; b) para cumprimentar, só estenda a mão.
REBOLANDO: O CORPO FALA
Cumprimentar um estrangeiro exige diplomacia digna do Itamaraty. Brasileiros abraçam, beijam, se tocam; russos dão selinho; franceses, dois beijinhos, mas não se abraçam; americanos se sentem mal com o excesso de intimidade ? já houve até cartilha que pregasse 33 centímetros de distância entre interlocutores ?; e japoneses não têm contato algum. A professora de chinês Ju Bao, que também ensina seus conterrâneos a se virarem na selva carioca, ressalta vários exemplos de como essa convivência pode ser confusa. Na China, não se chama pessoa mais velha pelo nome (nunca pergunte o nome do pai de um chinês), não se abre o presente na hora em que se recebe, não se racha a conta, não se pega um cartão com uma mão só. Mas é normal comer de boca aberta e conversar de cócoras. Ao elogiar um atleta chinês, saiba que: quando enaltecer uma característica nata (inteligência, por exemplo), ele irá agradecer. Mas se exaltar uma característica aprendida (falar bem inglês), ele sempre irá negar e responder algo como ?ainda tenho um longo caminho para percorrer?.
Lícia Egger-Moellwald, professora de Cerimonial, Protocolo e Etiqueta da Universidade Anhembi Morumbi, lembra que dá para ter uma pista de como proceder tendo em mente que o mundo se divide em dois: os monocrônicos e os policrônicos. Para os primeiros (alemães, japoneses, americanos, por exemplo), a pontualidade é uma ciência ? Lula foi criticado, em 2006, por atrasar um minuto em um encontro com a rainha Elizabeth II. O monocrônico é objetivo, não aceita ser interrompido e é pouco tolerante. Já os policrônicos (brasileiros, franceses e marroquinos, por exemplo) vão falar do futebol e do tempo antes de ir ao que interessa.
? A percepção do tempo muda. Mas tiramos as diferenças de letra.