BRASÍLIA ? Três deputados e um servidor da Câmara prestaram depoimento nesta terça-feira no Supremo Tribunal Federal (STF). Os quatro foram arrolados como testemunhas pela defesa do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), réu em uma ação penal da Operação Lava-Jato. Eles foram ouvidos a portas fechadas, mas, em entrevista, dois deputados contaram que foram questionados sobre o funcionamento e do dia a dia da Câmara. Segundo a defesa de Cunha, os depoimentos foram favoráveis a seu cliente.
O primeiro a depor, pela manhã, foi o deputado Pedro Chaves (PMDB-GO). Parlamentar de quinto mandato, ele disse que foi questionado sobre o funcionamento da Câmara, mas não deu muitos detalhes. À tarde, prestaram depoimento Manoel Júnior (PMDB-PB) e Carlos Sampaio (PSDB-SP). O deputado paraibano não quis falar com a imprensa após sair da sala onde foi realizada a audiência. Sampaio, por outro lado, deu entrevista e disse foi questionado sobre a formulação de requerimentos.
Cunha é acusado de ter recebido propina de lobistas de pelo menos US$ 5 milhões, oriunda de contrato de aquisição de navios-sonda pela Petrobras junto ao estaleiro sul-coreano Samsung. Para isso, teria tido auxílio da ex-deputada e atual prefeita de Rio Bonito (RJ), Solange Almeida (PMDB-RJ), que também é ré na ação. Ela apresentou requerimentos na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara, que teriam o objetivo de pressionar o pagamento de propina. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), arquivos eletrônicos da Câmara mostram o deputado como verdadeiro autor dos documentos.
Cunha argumenta que outros deputados pediam ajuda a seu gabinete, por isso seu nome aparece nesses arquivos. Tanto ele como Solange negam ter cometido os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, pelos quais são acusados. Nesta terça-feira, após os depoimentos, a defesa dos dois sustentou que uma das testemunhas, o servidor do Centro de Informática da Câmara Fernando Lima Torres, apresentou um documento no qual consta que uma pessoa lotada no gabinete de Solange foi quem de fato formulou os requerimentos. Os advogados, porém, não quiseram mostrar o documento.
? Ele (Fernando) trouxe um documento que até onde consta ninguém tinha tido acesso, nós não tivemos, a defesa da Solange também não teve, um documento que deixa claro de uma vez por todas que o requerimento foi formulado na matrícula de um assessor da Solange. Então qualquer especulação que foi feita até aqui, se teria tido participação ou não do deputado Eduardo Cunha por ter sido ele o autor do requerimento, foi por água abaixo agora com esse esclarecimento. Ele esclareceu até que um deputado pode requerer que na senha de um servidor específico tenha acessos parecidos com o parlamentares. No que entra em coincidência com o que está sendo defendido aqui ? disse Ticiano Figueiredo, advogado de Cunha.
? Até aqui a acusação eram de que os metadados que haviam transmitido pra rede de computadores da Câmara o requerimento era o deputado Eduardo. Esta versão acusatória, que sempre foi negada pela deputada Solange, que aliás fez os requerimentos de forma oral, diante da comissão, agora pela prova documental também é rechaçada ? Cláudio Oraindi Rodrigues Neto, advogado de Solange Almeida.
O deputado Carlos Sampaio, que já foi líder do PSDB, disse ser possível um deputado emprestar para outro o seu login, ou seja, o seu acesso ao sistema da Câmara. Mas destacou que isso não é normal. No caso dele, Sampaio disse que o login é compartilhado com o chefe de gabinete, mas não com outras pessoas.
? Pode acontecer (outro gabinete usar o login)? Pode, mas tendo em vista a relação de confiança que você tem com seu chefe de gabinete, você espera que isso não aconteça. Não é uma coisa normal ele pegar o seu login para fazer para o outro ? disse Sampaio em entrevista após o depoimento, acrescentando: ? É normal as pessoas entrarem no seu gabinete de liderança e usarem o computador, mas não o seu login.
Os depoimentos, em geral, foram rápidos, tendo sido conduzido pelo juiz instrutor Paulo Marcos de Farias, que trabalha no gabinete do ministro Teori Zavascki, relator dos processos da Lava-Jato. O de Sampaio, por exemplo, durou cerca de cinco minutos. Pedro Chaves, que foi ao STF sem advogado, falou entre dez e 15 minutos.
? Nós falamos só sobre funcionamento da Casa, requerimento, como funciona a parte administrativa. Só isso. Então, o fato de eu testemunhar é porque estou no quinto mandato, e conheço um pouco do funcionamento na Câmara ? disse Chaves, sem querer entrar em muitos detalhes.
O advogado de Cunha, Ticiano Figueiredo, disse que o depoimento do servidor Fernando Lima Torres, realizado à tarde, foi tão bom que outro servidor do Centro de Informática, Guilherme Brügger D’Amato, arrolado como testemunha, foi dispensado de falar. Após o depoimento de Chaves, pela manhã, Ticiano disse ainda:
? Ficou muito claro que um parlamentar para exercer atividade dele pode passar senha pessoal para que assessores façam e formulem requerimentos. O que aconteceu nesse caso. O objetivo de interrogar deputado Pedro Chaves era esclarecer essas questões. Havia muito login na senha pessoal de Pedro Chaves com ele ausente. Ficou claro isso de requerimentos serem formulados por assessores através da senha do parlamentar ? disse Ticiano.
Pela manhã, Ticiano também reclamou que o processo, sob os cuidados do ministro Teori Zavascki, está mais rápido do que outras ações penais no STF.
? O que a gente tem percebido e foi objeto de requerimento é que processo tem adotado ritmo célere anormal em relação a outras ações penais originárias. E essa celeridade infelizmente tem atropelado algumas garantias fundamentais. Requerimento simples da defesa, processo em que réu é acusado de corrupção, pedido para ouvir suposto corruptor foi indeferido. Enquanto que no primeiro grau requerimentos idênticos foram deferidos pelo juiz Sérgio Moro ? afirmou Ticiano, concluindo:
? A intimação dos réus, tanto Solange quanto deputado Eduardo Cunha, não foi feita pessoalmente. E a defesa tem comunicado isso a fim de se evitar nulidades, e mesmo assim tem tido pedidos indeferidos. Então, é inequívoco que esse ritmo é diferente de outros processos. E esse ritmo acelerado tem atropelado infelizmente garantias básicas do direito de defesa.
As testemunhas de acusação, apontadas pelo Ministério Público, prestaram depoimento em julho e agosto. Agora, começaram a falar as testemunhas de defesa. Na quarta e na quinta, está previsto o depoimento de outros seis deputados. Ao todo, a defesa apontou 13 parlamentares. Falta marcar o depoimento de quatro. Segundo Ticiano, depois dessa fase, há ainda o interrogatório do réu, requerimentos de provas e acareações. Ele afirmou que está preparando um documento sobre contradições de delatores da Lava-Jato que acusaram Cunha de ter recebido propina.