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Cotidiano

David Fogler, especialista em efeitos visuais: 'No cinema, as pessoas querem ser enganadas'

“Comecei a trabalhar com cinema por acaso, depois de me formar em Artes Visuais. No começo, trabalhava como pintor e escultor, criando miniaturas usadas em efeitos especiais, como nas sequências de ?Matrix?. Eu, literalmente, construía naves e depois as explodia, mas hoje sou especializado em efeitos digitais.”

Conte algo que não sei.

A melhor parte de um filme é o começo, quando o diretor pede para você fazer algo que nunca fez. Em geral, passamos um ano desenvolvendo os efeitos e as ferramentas que vamos usar depois, quando ocorrerem as filmagens. Boa parte desse período é utilizada para encontrar a visão do diretor, mesmo quando ele mesmo ainda não sabe o que quer. Os melhores projetos são aqueles nos quais a gente não sabe por onde começar.

Falando em começo, como você saiu de uma graduação em artes para o cinema?

Muitas vezes, a gente acaba tropeçando nas coisas sem saber exatamente o que está fazendo. Meu primeiro trabalho no cinema foi medíocre, mas pensei: por que não? Acabei ficando no meio, e nunca saí. Às vezes, é importante arriscar, fazer coisas que não parecem interessantes, ou são intimidadoras. Antes de começar a trabalhar em um espaço virtual, não sabia se gostaria ou mesmo se conseguiria traduzir minhas habilidades práticas de escultor. Não foi fácil aprender aquela linguagem, mas quando aprendi fiquei aliviado ao perceber que a arte era mais ou menos a mesma. Um computador é uma ferramenta, assim como uma mesa de marcenaria.

Como artista, não sente falta de pôr a mão na massa?

Eu ponho a mão na massa: faço jardinagem. E ainda construo. Mas a verdade é que trabalhar digitalmente também exige muito em termos físicos. Afinal, você tem que ficar em uma mesma posição por muito tempo. Os humanos não foram criados para ficar sentados olhando para uma tela de oito a dez horas por dia.

Abusar de recursos digitais pode comprometer um filme?

Isso acontece com frequência, mas também acontecia antes dos efeitos digitais. Há tantas formas de se estragar um filme! Certamente, os efeitos são culpados de não dar um suporte adequado a certos filmes, mas tudo se resume a uma questão: o diretor tem de usar os recursos pelos motivos certos. Computadores, câmeras de película, bonecos ou desenhos, todos têm que estar a serviço de um mesmo fim, que é contar uma boa história.

Sendo um especialista, você presta atenção em efeitos visuais quando vai ao cinema?

Sim, se for um filme ruim. Se assisto a um filme bom, mesmo que haja uma grande quantidade de efeitos visuais, não penso neles, porque se tornam secundários na experiência.

Como fica o cinema com toda a concorrência que a internet proporciona?

A morte do cinema tem sido declarada há 50 anos, mas nunca vi nada acontecer. O cinema evoluiu. Sempre há apetite por conteúdo, e, hoje, algumas das melhores histórias em termos visuais estão sendo feitas para a televisão, o que eu não previa há 15 anos. É o poder das histórias. Claramente, contar histórias sempre foi e sempre será muito importante, e o cinema é uma forma interessante de fazer isso.

O dicionário “Oxford” elegeu “pós-verdade” como a palavra do ano. Como você, que cria ilusões, vê isso?

Acho preocupante, mas prefiro não falar sobre política. Quando você faz cinema, estabelece um pacto com o público: cria algo que ele quer ver, e ele está ciente de que aquilo não é a verdade. Não gostaria de estar numa posição na qual me sentisse enganando alguém. O cinema é um espaço seguro, nesse sentido. Quando as pessoas vão ao cinema, querem ser enganadas.