BRASÍLIA ? O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a discutir nesta quarta-feira de quem é a atribuição de cobrar as multas impostas aos condenados do mensalão ? se é do Ministério Público, ou da Fazenda Pública. Os dois órgãos brigam atualmente por esse poder. De um lado, a Procuradoria-Geral da República se gaba de ter arrecadado R$ 12 milhões dos réus desde 2013, quando as penas começaram a ser executadas. Por outro lado, a Procuradoria Geral da Fazenda Pública diz que existem R$ 30 milhões em multas não pagas no mensalão, e os réus inadimplentes já foram cadastrados na dívida ativa da União.
O relator do mensalão, ministro Luís Roberto Barroso, levou o caso ao plenário como uma questão de ordem para unificar o entendimento do tribunal, já que muitos réus fizeram esse questionamento. Para o ministro, a atribuição deve ser da PGR. Ele argumentou que a dívida é de origem penal, e não civil. Por isso, a cobrança deve ser feita pelas varas de execuções penais, por meio do Ministério Público. O relator ponderou que, se os procuradores não oficiarem a cobrança no prazo de 90 dias, cabe à Fazenda Pública executar a dívida.
No voto, Barroso ressaltou que a cobrança vem sendo feita dessa forma no caso do mensalão. Ele ponderou que o valor arrecadado até agora seria significativo, não fossem a cifras mais elevadas de desvios descobertos na Operação Lava-Jato, que investiga esquema de corrupção instalado na Petrobras.
? Os números da Operação Lava-Jato são tão estratosféricos, que nada parece relevante hoje em dia ? comentou o ministro.
A advogada-geral da União, Grace Mendonça, defendeu que a execução das penas financeiras ficasse a cargo da Fazenda Pública. Ela disse que o valor total de multas penais hoje inscritas na dívida ativa hoje soma R$ 305 milhões. Desse total, já foram ajuizadas ações de cobrança referentes a mais de R$ 244 milhões em multas. Em relação ao mensalão, existem R$ 30 milhões em multas não pagas cadastradas na dívida ativa da União. Por lei, o valor das multas recolhidas por condenações penais deve ser transferido para financiar o sistema penitenciário.
No voto, Barroso afirmou que a cobrança da multa é uma etapa fundamental no combate dos crimes do colarinho branco. Ele lembrou que, no caso do mensalão, o STF fixou como regra que, para obter progressão de regime, o preso precisa pagar a multa primeiro. E, no caso de condenação por peculato, é necessária a devolução do dinheiro como condição para obter o benefício.
? Nos crimes do colarinho branco, a multa tem papel decisivo. Em alguns casos, deve ter papel mais relevante do que a pena privativa de liberdade ? declarou.
O ministro afirmou que a multa aplicada em decorrência de condenação penal tem caráter de pena ? e, por isso, não poderia ser cobrada como se fosse uma dívida civil. Daí a necessidade da atuação do Ministério Público.
? Por ser uma pena, é prioritária a legitimação do Ministério Público para a sua cobrança. A Constituição incumbiu o Ministério Público de ser o titular da ação penal e a lei impõe ao Ministério Público o dever de fiscalizar a execução da pena, inclusive a execução da multa de natureza penal ? explicou Barroso.
Dias Toffoli concordou com o argumento e Marco Aurélio Mello discordou. Em seguida, Edson Fachin pediu vista, adiando a discussão para uma data ainda indeterminada. Ao votar, Marco Aurélio afirmou que, na legislação brasileira, a única possibilidade de se prender alguém pelo não pagamento de dívida é no caso de inadimplência de pensão alimentícia. Portanto, no caso de um réu não pagar multa, ele não poderia ser penalizado com a regressão do regime de prisão. Para Marco Aurélio, a dívida dos condenados em processo criminal deve ficar nas mãos da PGFN.
? Não há possibilidade mais de transformar-se a multa em pena restritiva de liberdade. Se fizermos isso, estaremos revogando o Pacto de San José da Costa Rica, admitindo prisão por dívida civil ? declarou Marco Aurélio.
O ministro Ricardo Lewandowski apoiou a tese de Marco Aurélio e Luiz Fux, a de Barroso, mas não chegaram a formalizar o voto. Como a corte está dividida sobre o tema, não está clara a tendência de como o julgamento será concluído.