Educação

Alunos viram jovens pesquisadores em Toledo

Alunos viram jovens pesquisadores em Toledo

Imagine um plástico à base de microalgas que se decomponha em um único mês ou uma película que faça uma maçã durar mais de cem dias. Projetos como esses poderiam ser feitos por profissionais com um currículo extenso, mas são trabalhos desenvolvidos por alunos dos ensinos fundamental e médio, participantes do Clube de Ciências do Colégio Estadual Jardim Porto Alegre, em Toledo, na região Oeste. O grupo foi criado em 2014 pela própria escola com o objetivo de aumentar o acesso dos alunos a atividades práticas.

Dionéia Schauren, hoje aos 36 anos, era bibliotecária na época e caiu de paraquedas no projeto. Por ter formação em Ciências Biológicas, ficou com a responsabilidade do clube, o que acabou transformando a sua vida, a dos estudantes e da educação pública paranaense. O clube e os jovens cientistas do Paraná são representantes da série de reportagens “Paraná, o Brasil que dá certo”.

Naquela ocasião, há mais de dez anos, logo após a sua entrada no projeto, uma das alunas a questionou: “como eu faço pra ser cientista igual a você?”. A pergunta pegou Dionéia de surpresa. Ela não respondeu de imediato, mas analisou o cenário com calma e deu um diagnóstico: “Acho que estávamos ensinando errado. Os alunos achavam que chegariam com um roteiro pronto, fariam um experimento que explode, como nos seriados de cultura popular, e seriam cientistas, mas não é bem assim. Precisávamos criar um método”.

Foi então que ela e a escola decidiram transformar em realidade o sonho dos alunos em se tornarem cientistas e o Clube de Ciências ganhou uma metodologia robusta para que os projetos, de fato, alcançassem potencial científico e explodissem – no sentido de alcançar o mundo. Os alunos começaram a ter aulas práticas no contraturno de física, química, biologia e estatística, estudam em conjunto, além de aprenderem o que é método científico, regras de Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), falar em público, entre tantas outras iniciativas.

Os alunos também passaram a desenvolver projetos de iniciação, nos moldes do ensino superior, antecipando uma formação mais completa ainda na adolescência. Iniciação científica é uma modalidade de pesquisa acadêmica na qual os estudantes aprofundam seus estudos em torno de um determinado tema, relacionado com a sua área de interesse.

“Começamos com sete projetos naquele primeiro ano. Se ficassem bons, tentaríamos publicar. Mas era quase impossível encontrar uma universidade que aceitasse trabalhos de alunos dos ensinos fundamental e médio. Até que nós conseguimos, o que mostrou que estávamos no caminho certo de transformar a educação em algo transformados”, afirma Dionéia.

CHOQUE DE REALIDADE – Os primeiros anos do novo Clube de Ciências foram de estruturação do projeto. A primeira feira que eles participaram fora do Estado foi a Mostra Internacional de Ciência e Tecnologia (Mostratec), realizada pela Fundação Liberato, no Rio Grande do Sul, em 2017. O evento recebe trabalhos do mundo todo. A professora achou a ideia um pouco pretensiosa demais, até porque só trabalhava com eles há três anos, mas decidiu encarar. O Clube de Ciências do colégio teve oito trabalhos selecionados.

“Imaginei uma banquetinha, um lugar para pendurar um banner, eles apresentando os trabalhos e depois disso retornaríamos para casa, como nos eventos municipais ou estaduais. Também era novo pra mim, eu estava aprendendo. Quando chegamos lá, descobrimos que era a maior feira da América Latina, com 700 trabalhos, 24 países participando, todos de terno e gravata. E os meus alunos de uniforme, tênis e calça jeans”, conta.

Dionéia se assustou com a situação, mas o aprendizado se transformou em motivação. “Deixei os alunos prontos para a apresentação, saí e chorei. Atravessei três estados com essas crianças dentro de uma van. Pensei ‘meu Deus, o que eu estou fazendo aqui?’. Um aluno me viu e me consolou. Disse: ‘Dionéia, nosso prêmio é estar aqui. Sabemos que não vamos ganhar, mas fizemos o nosso melhor, viemos aqui pra ver como é’”, lembra a professora.

Os alunos passaram a semana apresentando trabalhos que construíram de maneira coletiva, foram avaliados por profissionais renomados e, segundo ela, todos que passavam pelo estande dos alunos toledanos ficavam surpresos por se tratar de uma escola pública. “Eram raras naquela feira. Tinha instituto federal, colégio particular, colégio militar, mas escola estadual pública não, acho que isso fez com que os alunos se enchessem de motivação”, completa.

No dia da premiação, Dionéia imaginava que os alunos se decepcionariam caso não fossem reconhecidos. Mas eles, segundo ela, estavam emocionalmente mais preparados. “Eles decidiram ficar até o final e fizeram a escolha certa, pois estavam entre os premiados. Levaram para casa três das dez bolsas de iniciação científica disponibilizadas na feira. Choramos muito. Foi uma conquista que deu razão a tudo o que estávamos fazendo”, conta.

Desde então, os alunos intensificaram os trabalhos de pesquisa e passaram a enviar trabalhos para todos os cantos. Participaram de cerca de 150 eventos online em países como Bélgica, Panamá, Argentina, México, Paraguai, Estados Unidos e África. Em 2022, o Clube de Ciências do colégio teve cinco projetos finalistas na Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace), um programa de talentos realizado anualmente na Universidade de São Paulo (USP). Dionéia Schauren também ficou entre os dez finalistas do Prêmio Professor Destaque da Febrace.

As medalhas se avolumaram. Entre os outros destaques estão premiações em feiras e eventos como a Regeneron ISEF 2021, maior feira internacional de Ciências e Engenharia dos EUA; o Programa Jovens Embaixadores 2021 (da Embaixada dos EUA); o London International Youth Science Forum (LIYSF) 2021; o Prêmio Respostas para o Amanhã 2021 (Solve for Tomorrow, da Samsung), entre outros.

E a professora conta que os alunos sempre recebem bolsas como reconhecimento pelo trabalho que desenvolvem, incentivando a irem atrás de novas ideias. “Temos vários alunos que são bolsistas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). No fim do ano, inclusive, fechamos dezesseis bolsas”, destaca.

 

Foto: Gilson Abreu/AEN