Dra. Giovanna Back Franco
Professora universitária, advogada e mestre em Ciências Jurídicas
A configuração da família, ao longo da história, esteve relacionada às necessidades econômicas da sociedade, desde a possibilidade de casamento entre parentes para manutenção do poder político, passando pelo costume enraizado de pluralidade de filhos, especialmente com a ascensão do método de produção industrial, em que se fazia necessária grande quantidade de mão-de-obra, até a política do filho único, em momento de colapso econômico (defendida pela política malthusiana e novamente retratada pelo longa “Onde está segunda?”). Via de regra, sob o comando do chefe de família, as questões concepcionistas eram dogmatizadas pela religião.
No entanto, a questão do planejamento familiar está relacionada não só à estrutura social, mas também à saúde da mulher, alocada cada vez mais em postos de trabalho, com jornadas triplas, ainda que a lei garanta a corresponsabilidade entre os genitores com relação aos filhos menores. É trabalho invisibilizado e não remunerado. Assim, nas últimas décadas, levantaram-se bandeiras em favor do planejamento familiar, nele compreendido métodos e ações para definição da configuração familiar, métodos contraceptivos e de inseminação, tornando-se direito fundamental a todos os cidadãos, albergado pela atual constituição.
Para não se tornar letra morta, vários atos normativos buscam a regulamentação deste direito, dentre eles a Lei do Planejamento Familiar e Resoluções do Conselho Federal de Medicina sobre os procedimentos médicos que garantam a efetivação deste direito, mesmo pelo Sistema Único de Saúde. Todos passam a ter direito de decidir sobre a sua família, pois é nela que o indivíduo pode desenvolver plenamente sua dignidade, em seu sentido mais íntimo, pois as relações familiares são essenciais para o desenvolvimento sadio do indivíduo, inclusive em seu aspecto psicológico.
Dessa forma, estabeleceram-se métodos de reprodução assistida, entre parceiros ou com doadores anônimos, revolucionando as questões de paternidade, carreadas pelos doutrinadores desde os romanos antigos. Garantiu-se também o acesso à métodos contraceptivos, não só para as Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST, não mais DST), mas também para evitar gravidez indesejada, sem esquecer de políticas públicas de educação sexual, que, apesar das críticas, visam à conscientização sobre o planejamento familiar e suas consequências.
Além disso, existem as técnicas de laqueadura e vasectomia, como técnicas integrantes do planejamento familiar. Atualmente, para os casados, exige-se o consentimento do cônjuge para realização do procedimento (o que se busca eliminar com projeto de lei em tramitação no Congresso Nacional), idade mínima (25 anos) OU a existência de pelo menos 2 filhos vivos (sendo requisitos alternativos e não cumulativos).
Em total dissonância com o tratamento isonômico, houve casos de negativa pelo SUS para o referido procedimento em relação a mulheres solteiras, em razão da defesa do direito de um hipotético companheiro que eventualmente não consentisse. Um disparate, tal qual a negativa para a efetivação deste direito fundamental calcada na teoria da reserva do possível, pela “ausência de recursos”, por parte do Poder Público. Ausência para quem? Afinal, existem itens completamente desnecessários e agentes de mesma adjetivação que não são dispensados da farra do orçamento público, sendo mais imprescindíveis que a saúde e a dignidade dos cidadãos…