Cotidiano

Força-tarefa confirma a deflagração de novas fases

Há mais denúncias que podem resultar em outras prisões

Foz do Iguaçu – Você já deve ter ouvido falar sobre um esquema em que as licitações para prestação de serviços ou obras públicas tinham cartas marcadas, os valores do certame eram negociados e na hora de executar o que previa o contrato parte dos trabalhos não saía do papel, a fiscalização efetiva não existia e um percentual do dinheiro recebido por aquilo que deveria ter sido feito – mas não foi – voltava para o bolso de políticos e outros envolvidos. Você deve ter ouvido, inclusive, relatos de cidades onde essa prática ocorre com frequência, inclusive com a anuência do Legislativo, que recebe o chamado mensalinho ou o pagamento de favores de outras formas, todas ilícitas, para fazer “vistas grossas”. Mas o que você não está acostumado a ouvir é que a suspeita de esquemas assim, que podem ser comuns em milhares de municípios do País, foram desmantelados. E foi isso o que aconteceu em uma prefeitura da região e pode ser considerado, pela investigação da Polícia Federal, como o maior esquema de corrupção do oeste do Paraná já tornado público.

Tida como uma organização criminosa, um ano e quatro meses após a deflagração da primeira fase da Operação Pecúlio e quase três anos desde o recebimento da denúncia que deu origem às investigações, o diagnóstico parcial revela dados surpreendentes da política e de serviços públicos de Foz do Iguaçu. O inquérito já acumula milhares de páginas, centenas de provas e dezenas de delações, e um diagnóstico preocupante referente a supostas irregularidades, como o desvio e mau uso do dinheiro público. Até o momento, são mais de cem réus – lembrando que um mesmo nome pode figurar mais do que uma vez no processo. E assim ficou às claras o que seria um milionário esquema de corrupção, cujas investigações estão bem longe do fim.

A equipe do Jornal O Paraná conversou com os responsáveis pela condução das investigações e teve acesso à maior parte do processo. E, de hoje até quinta-feira, O Paraná traz uma série de reportagens sobre o caso, lembrando como tudo começou, o perfil dos envolvidos, como ocorriam, segundo as investigações, os desvios de dinheiro público, que nem sequer podem ser medidos em volumes financeiros ainda, mas que já se sabe que o esquema, que fraudaria principalmente obras e a saúde pública, foi milionário e que tinha como mentor, segundo o MPF (Ministério Público Federal), o ex-prefeito Reni Pereira. “Para nós não restam dúvidas que era ele quem comandava tudo”, afirmam.

Novos desdobramentos em breve

Os procuradores que integram a força-tarefa na fronteira, Alexandre Halfen da Porciuncula e Juliano Baggio Gasperin, receberam a reportagem e falaram sobre as investigações. Eles afirmaram “que há novos desdobramentos e muito por fazer”, para quem imaginava que a operação fosse parar por aí.

O esquema que levou para a cadeia o ex-prefeito de uma das cidades mais conhecidas do Brasil, 12 dos 15 vereadores na época – que resultou na cassação de cinco dos que foram reeleitos e com desdobramentos com o recebimento de novas denúncias por quebra de decoro que pode render o mandato de outros dois parlamentares, empresários, agentes políticos e servidores.

Os procuradores reforçam que ainda há muitos documentos para serem analisados e que novas denúncias já foram preparadas. “Não temos como dimensionar quanto tempo a operação leva ainda, mas há muito trabalho. Não sei nem se podemos dizer que chegamos à metade dela”, revela o procurador Alexandre.

Na última sexta-feira a Justiça Federal reiniciou as audiências com testemunhas indicadas pela defesa de Reni Pereira. Ontem (7) eram realizadas algumas delas. Somente neste mês cerca de 85 pessoas deverão ser ouvidas neste processo.

A defesa de Reni Pereira

O ex-prefeito de Foz do Iguaçu Reni Pereira chegou a ser preso mas hoje cumpre prisão domiciliar. Seu contato externo é restrito ao advogado e não pode fazer uso de celular e internet. A reportagem conversou com seu advogado, Vitor Sprada Rossetim.

Ele disse que Reni não pode responder pelos atos dos servidores e não teria como saber de tudo o que acontecia no Paço Municipal. O advogado reconhece que possa ter havido falhas administrativas, com o desconhecimento de práticas ilícitas de servidores, mas alega que seu cliente é inocente e que não participou do esquema, muito menos chefiava aquilo que foi intitulado como “líder de organização criminosa”.

Para Vitor, não restam dúvidas, inclusive, que os 12 colaboradores em delação premiada “criaram fatos para incriminar o ex-prefeito” e ganharam as prerrogativas da delação, como a liberdade. “Alguns servidores, sim, é que precisam ser investigados, um deles saiu de uma movimentação financeira em sua conta corrente de R$ 100 mil em um ano para mais de R$ 1 milhão no outro. Agora não se pode dizer que o Reni, que era sim o chefe do Executivo, era chefe de uma organização criminosa somente pelo fato de ser prefeito. Ele não tinha condições de saber tudo o que estava acontecendo na prefeitura”.

Questionado se seu cliente é inocente, o advogado reforçou que sim e que isso será provado no processo.

Como começaram as investigações?

Pode-se dizer que a Operação Pecúlio, cujo significado é fazer uma reserva, “economizar” dinheiro, começou quase que por acaso.

Em 2014 o MPF recebeu uma denúncia que um servidor da Justiça Federal estava se passando por juiz federal e obtendo vantagens indevidas. A Polícia Federal iniciou então as investigações e isso pode ser considerado o fio usado para desmantelar um novelo de irregularidades. “No curso das investigações se detecta que um parente do servidor estava mantendo contato suspeito com o então secretário de Tecnologia da Informação, a partir disso, passou-se a investigar o secretário e se descortinou uma série de ilícitos mudando o rumo das investigações”, revela Alexandre Halfen da Porciuncula.

Chega-se então ao nome do ex-prefeito Reni Pereira como o mentor, líder do esquema cuja suspeita é de desvio de recursos públicos a partir dos acertos para licitações.

Por ter prerrogativa de foro, pois estava no exercício de seu mandato, o seu processo é encaminhado ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre, de onde já saiu e voltou para a chamada primeira instância. “Mas não detectamos aqui um caso novo nem isolado, este esquema não foi inventado na cidade e de modo geral se desviava dinheiro público de obras e da saúde, onde há os maiores orçamentos”, reforça o procurador Juliano Baggio Gasperin.

Na primeira fase deflagrada em abril do ano passado, o próprio prefeito chegou a ser preso, além de empresários suspeitos de participarem do esquema e vereadores.

Na reportagem de amanhã você vai saber um pouco mais sobre as ações penais propostas à Justiça, em que fase elas estão e o que aconteceu com os acusados de envolvimento neste esquema.