Cascavel – Depois de perder espaço no campo para a soja por conta da valorização da commodity, a pecuária paranaense alinha um novo caminho na tentativa de barrar o risco de em poucos anos se ver diante da necessidade de importar carne para suprir a demanda do mercado interno.
Para que isso funcione como uma engrenagem, é preciso oferecer meios de propor uma mentalidade inovadora direcionada à adoção de novas tecnologias. Hoje, boa parte dos pequenos e médios pecuaristas paranaenses ainda carece de tecnologia para alcançar índices mais elevados de produção. O reconhecimento do Paraná como área livre de aftosa sem vacinação será um dos trunfos a ser usado pelo Estado para expandir a pecuária de corte a outras fronteiras. Mas isso só deve ser realidade em 2023.
De acordo com o coordenador da Comissão Técnica de Bovinocultura de Corte da Faep (Federação da Agricultura do Estado do Paraná), Rodolpho Botelho, esse novo reposicionamento da atividade é para recuperar os espaços perdidos para a agricultura, mais especificamente em relação à soja. A troca de atividade é justificada pela rentabilidade gerada pela produção de soja. “Na média da última década, a soja tem sido mais rentável do que a pecuária”, disse. Esse comportamento empurrou a pecuária para áreas mais dobradas, marginais, com pedras e de difícil acesso logístico. “Nessas áreas mais quebradas, não há tanta tecnologia e uso de adubo e calcário, embora o ganho médio de produtividade na pecuária tenha sido positivo, mas poderia ter sido muito melhor, se fossem incrementadas com novas tecnologias”.
Segundo Botelho, o programa de modernização da pecuária de corte difundido pelo governo do Paraná já está bem adiantado em centros de pesquisa e universidades, mas é necessário levar a informação aos produtores de maneira mais simplificada. “Onde essa inovação é colocada em prática os resultados se assemelham à rentabilidade obtida na agricultura”.
Botelho entende que os produtores precisam ser transformadores da produção com tecnologia, servindo de exemplo para os produtores vizinhos. “Se a gente conseguir elevar a nossa taxa de natalidade, ou seja, o número de bezerros desmamados em até 10%, isso já será suficiente para ter uma oferta de bezerros que atenda à demanda do Estado”, exemplifica.
Atualmente, o Paraná ainda precisa recorrer a outros estados para ter essa carne mais nobre e precoce. “O segredo é melhorar um pouco a taxa de desmama dos bezerros”.
Esses investimentos, conforme Botelho, vão refletir principalmente no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) nesses municípios, por conta da circulação econômica mais intensa. A precocidade no abate das carnes é um reflexo dessa nova tendência mundial que surge e que os produtores precisam ficar antenados para não correr o risco de sofrer perdas na atividade.
O diretor do Sindicato Rural Patronal, engenheiro agrônomo Paulo Vallini, explica que é preciso conscientizar sobre a necessidade de mudança de perfil para manter os índices de qualidade, oferecendo carnes mais nobres ao consumidor brasileiro e do exterior. “Quem não aderir à nova pecuária corre sério riscos de ficar para trás e perder rentabilidade”.
Modernização
“Quando a soja começou a ganhar espaço nas pastagens começaram a sobrar áreas marginais”, disse Vallini. E foi então que o Paraná começou a desenvolver um programa voltado à modernização da atividade, enfatizando a importância de se organizar para esse novo momento da pecuária mundial para oferecer animais precoces, girando melhor o mercado e elevando a produção paranaense.
Há dez anos, um animal levava até quatro anos para estar apto ao abate. Agora, em um ano e meio atinge as condições para chegar à mesa do consumidor. Uma carne muito mais macia devido à sua precocidade, instigando os paladares cada vez mais exigentes.
Para as autoridades do setor, esse é o caminho para manter o status paranaense no bom nível de competitividade. “Somente com essa modernização em andamento seremos capazes de dar um impulso na pecuária do Paraná”, entende Vallini. “Se isso não for feito, o produtor não terá mais espaço para comercialização”.
Nesse caso, as pequenas cooperativas têm tido um papel preponderante nessa mudança de mentalidade: “Há um aumento da procura pela carne diferenciada para atender a uma demanda cada vez mais crescente”.
Estado exportou US$ 4 bi em carne de boi nos últimos 7 anos
Dados do Departamento de Economia Rural da Secretaria de Agricultura e Abastecimento mostram o Paraná com um rebanho de 9,3 milhões de cabeças, representando 4,3% de participação nacional, que é de 215 milhões de cabeças. Nesta relação constam bovinos, bubalinos, ovinos, caprinos, equinos, suínos e vacas ordenhadas.
No ano passado, somente em relação ao gado de corte o Paraná abateu 1,1 milhão de cabeças, totalizado 300 mil toneladas de carne. Essa tem sido a média dos últimos cinco anos. Em 2016, o Paraná exportou 30,6 mil toneladas de carne bovina. Neste ano, de janeiro a setembro, já foram 21,3 mil toneladas.
De 2010 a 2017, o Paraná exportou mais de 1 milhão de toneladas de carne. Neste período, o valor movimentado chegou a US$ 4,3 bilhões.
Organização para ser competitivo
Produtores com aptidão para a pecuária de corte na região oeste e no Paraná precisam investir em tecnificação e organização para se manterem competitivos no mercado e acompanharem a média de produtividade do setor, e não sofrer com reflexos sociais. Essa é a opinião do professor da disciplina de Bovinocultura de Corte da UFPR (Universidade Federal do Paraná) e coordenador do Centro de Informação do Agronegócio, Paulo Rossi Junior.
Segundo ele, é preciso criar um sistema de controle de gastos, investimentos e desempenhos zootécnicos para obter lucratividade nos negócios. “Um dos maiores desafios nas propriedades de gado de corte é a organização. Para ter uma informação mais fiel, é preciso disciplina e empenho nas propriedades”.
O médico-veterinário João Tomaz Nunes, da B&M Consultoria, diz que monitorar os números é imprescindível na parte gerencial e de planejamento.
De acordo com o secretário de Agricultura de Cascavel, Agassiz Linhares Neto, um dos mecanismos para garantir retorno ao produtor é investir no modelo lavoura-pecuária, bastante difundido na região oeste por internédio do Centro de Pesquisa do Iapar (Instituto Agronômico do Paraná), em Santa Tereza do Oeste. “Temos a excelência na agricultura, mas podemos nos dar muito melhor com a inserção do gado de corte nas propriedades”.
Nesta semana, um especialista da área traçou o futuro da pecuária brasileira e chamou a atenção para a necessidade de investimentos em tecnologia. Segundo Maurício Palma Nogueira, da Agroconsult, o temor é de que os produtores não consigam acompanhar a evolução tecnológica do setor.
Para se ter uma ideia, na década de 1990, o Brasil tinha 190 milhões de hectares, gerando uma produtividade de 1,62 arroba de carne por hectare ao ano. Quase 20 anos depois, essa realidade mudou para 165 milhões de hectares de pastagens, com uma produtividade de 3,88 arrobas por hectare, um reflexo evidente de que é possível obter melhores resultados em menores áreas, mas somente se a tecnologia for aplicada adequadamente. “O temor é de que esses pequenos pecuaristas não consigam acompanhar esse ritmo”, alerta e acrescenta: “Se ficaram com margens baixas de lucro, há um risco iminente de exclusão da produção, gerando o problema social”.